A Virgem Maria, Mãe da Esperança | Palavra do Fundador – Agosto de 2025

A Virgem Maria, Mãe da Esperança Diz-se no Vaticano que, antes de ser eleito Papa, São João Paulo II, durante o Conclave, manteve consigo um exemplar bem gasto do Tratado sobre a Verdadeira Devoção, de São Luís Maria Grignion de Montfort, um livro que já carregava consigo quando trabalhava como operário nas pedreiras de Zakrzówek e na fábrica de produtos químicos Solvay durante a Segunda Guerra Mundial, e que continuou guardando até mesmo em suas caminhadas de verão nas montanhas italianas do Vale de Aosta. Que profunda e imensa coerência na vida e no caminho de fé desse grande Papa! Foi com Maria que ele aprendeu que a esperança não nasce das competências e dos méritos humanos, mas que o caminho de vida do cristão também deve contar e se unir ao céu e à graça divina. É exatamente a Virgem Maria que sempre nos leva de volta ao próprio Deus, a fonte da esperança. Com muita frequência e rapidez, pensamos primeiramente nos meios humanos para resolver nossas situações complicadas e é, por isso, que o desespero nos assalta com tanta facilidade. A Virgem Maria trazia em seu seio “a esperança de Israel e a expectativa do mundo” e se tornou “a imagem da futura Igreja, que no seu seio, leva a esperança do mundo através dos montes da história” 1. A esperança da Mãe do Redentor A esperança da Mãe do Redentor O autor bíblico Eclesiástico (ou Siraque), personificando a Sabedoria Divina, escreveu esses versículos, por volta de 200 a.C., que podem ser atribuídos à Virgem Maria: “Eu, como a videira, fiz germinar graciosos sarmentos e minhas flores são frutos de glória e riqueza. Vinde a mim todos os que me desejais, fartai-vos de meus frutos.” (Eclo 24, 17-18) As aparições da Santíssima Virgem Maria em Pontmain, na França, no século XIX, um santuário dedicado a “Nossa Senhora da Esperança”, transmitiram uma mensagem de esperança que ainda hoje é atual. Sob esse nome, a Mãe de Deus continua a ser amplamente honrada nesse local. “Maria nos ensina a virtude da esperança, até quando tudo parece sem sentido.” 2 A Virgem Maria, moldada pelas Escrituras Sagradas (seu Magnificat é testemunha disso) e pelas tradições judaicas, esperou com o povo dos justos, dos sábios e dos anawim pela libertação, consolação, de Israel. Ela carregou e traduziu em suas orações os desejos de seu povo, em relação ao qual sua confiança e esperança nunca vacilaram. Sua esperança não amadureceu durante a Paixão, quando a “espada da dor” profetizada pelo sábio Simeão transpassou seu coração? “Tinha morrido a esperança? Provavelmente, no vosso íntimo tereis ouvido novamente a palavra ‘Não temas, Maria!” 3 No Sábado Santo, sua “esperança humilhada” soube esperar a Ressurreição, acompanhando o seu Filho até o fim, como Mãe do Redentor. O Mistério da Redenção se formou no coração da Virgem de Nazaré quando ela pronunciou o seu “fiat” “A partir daquele momento esse coração virginal e ao mesmo tempo materno, sob a particular ação do Espírito Santo, acompanha sempre a obra do seu Filho e palpita na direção de todos aqueles que Cristo abraçou e abraça continuamente com o seu inexaurível amor. E, por isso mesmo, este coração deve ser também maternalmente inexaurível. A característica deste amor materno, que a Mãe de Deus insere no mistério da Redenção e na vida da Igreja, encontra a sua expressão na sua singular proximidade em relação ao homem e a todos as suas vicissitudes. Nisto consiste o mistério da Mãe. A Igreja, que A olha com amor e esperança muito particular, deseja apropriar-se deste mistério de maneira cada vez mais profunda.” 4 Na liturgia, os fiéis “a caminho da plena liberdade, olham para Maria como sinal de firme esperança” 5. Maria viveu a perseverança e a consolação, ambas transmitidas pelas Sagradas Escrituras Aqueles que experimentaram a sabedoria também são testemunhas e instrumentos de esperança para os outros. A Mãe da esperança divina nos torna compreensivos e pacientes em relação às fragilidades e limitações de nossos irmãos e irmãs e das pessoas mais próximas. A esperança do céu também é para eles e nunca está longe de ninguém. Essa esperança é aprendida e vivida por meio da “perseverança e consolação” transmitidas pelas Sagradas Escrituras. “Ora tudo o que se escreveu no passado é para o nosso ensinamento que foi escrito, a fim de que, pela perseverança e pela consolação que nos proporcionam as Escrituras, tenhamos a esperança. O Deus da perseverança e da consolação vos conceda terdes os mesmos sentimentos uns para com os outros, a exemplo de Cristo Jesus, a fim de que, de um só coração e de uma só voz, glorifiqueis o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo.” (Rm 15, 4-6) Em suas catequeses, o Papa Francisco define as virtudes da perseverança e da consolação da seguinte forma: “A perseverança, poderíamos defini-la também como paciência: é a capacidade de suportar, carregar às costas, ‘su-portar’, permanecer fiel, até quando o peso parece tornar-se grande demais, insustentável, e teríamos a tentação de julgar negativamente e abandonar tudo e todos. (…) Ao contrário, a consolação é a graça de saber ver e mostrar em todas as situações, até nas mais marcadas pela desilusão e pelo sofrimento, a presença e ação misericordiosa de Deus.” 6 Essas duas virtudes intimamente relacionadas, a virtude da perseverança e a da paciência, conforme atestam as Escrituras, têm sua fonte em Deus: “O Senhor passou diante dele, e ele exclamou: ‘Senhor! Senhor.’ Deus de compaixão e de piedade, lento para a cólera e cheio de amor e fidelidade; que guarda o Seu amor a milhares, tolera a falta, a transgressão e o pecado.” (Ex 34, 6-7) As Escrituras atestam que a paciência é um atributo divino, de acordo com Êxodo 34, 6: Deus é “makrothymos”, “longânimo”, “magnânimo”, “paciente”, “lento para a ira”. Há uma distância tão grande entre a santidade do Deus da Aliança e o Seu povo rebelde, que o Senhor só pode ser paciente em Sua misericórdia. Assim como Ele é paciente com cada um
Chama Viva de Amor: a alma cheia de Esperança, sua glória consumada e seu desejo satisfeito | Palavra do Fundador – Julho de 2025

Chama Viva de Amor: a alma cheia de Esperança, sua glória consumada e seu desejo satisfeito “Apareceram-lhes, então, línguas como de fogo, que se repartiam e que pousaram sobre cada um deles. E todos ficaram repletos do Espírito Santo.” (At 2, 3-4) No mês passado, entendemos que a vida no Espírito, ou seja, a vida espiritual, não pode ser confundida com uma “vida natural”, ou seja, uma vida influenciada e conduzida principalmente por nossos recursos e hábitos humanos: sensibilidade, intuições e instintos humanos. Além disso, a vida no Espírito não pode ser uma “fusão” indistinta entre o humano e o divino; ela só pode ser uma “aliança” entre o dom divino e o nosso próprio espírito racional. Essa aliança, que acontece na alma, não pode ocorrer sem reações, lutas e renúncias por parte da nossa carne. É nesse sentido que São João da Cruz usa a metáfora do fogo do Espírito Santo que inflama a madeira, a alma, até que os dois se tornem um só fogo incandescente. Diversas declarações feitas pelo Apóstolo Paulo em suas Cartas apontam para a vida no Espírito, que é necessariamente distinta da vida natural, a dos sentidos, dos poderes e instintos humanos. Aqui estão algumas das afirmações de São Paulo: “O próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de Deus.” (Rm 8, 16) “O homem psíquico não aceita o que vem do Espírito de Deus. É loucura para ele; não pode compreender, pois isso deve ser julgado espiritualmente.” (1Cor 2, 14) “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim.” (Gl 2, 20) “Embora vivamos na carne, não militamos segundo a carne.” (2Cor 10, 3) Vimos anteriormente, no mês de junho, as etapas sucessivas da alma, sob o fogo do amor de Deus, que é o Espírito Santo, seguindo estes sete parágrafos: – O Espírito Santo é um fogo que inflama a alma. – A alma unida ao Espírito Santo é transformada, possuída e embelezada. – Os atos de amor dessa alma são muito preciosos – Deus fala às almas que são purificadas e límpidas. – Os efeitos do fogo do Espírito Santo na alma. – Os sentidos e o demônio não podem chegar na substância da alma. – O centro da alma pertence a Deus. Continuamos a nossa leitura e meditação sobre a estrofe I do poema de São João da Cruz: Chama Viva de Amor. I – 1ª estrofe: Oh! chama de amor viva Que ternamente feres De minha alma no mais profundo centro! Pois não és mais esquiva, Acaba já, se queres, Ah! rompe a tela deste doce encontro. Quando as potências da alma estão bem purificadas “Por estar já bem purificada em sua substância e potências, memória, entendimento e vontade, então a substância divina que todas as coisas alcança por sua pureza, como diz o Sábio (cf. Sb 7, 24), com sua divina chama muito profunda, sutil e elevadamente absorve a alma em si; e nesta absorção da alma pela Sabedoria, o Espírito Santo exercita as vibrações gloriosas de Sua chama.” 1 São João da Cruz especifica a necessidade de purificações para a alma: “em sua substância e em suas potências, memória, entendimento e vontade”. É então que a chama do amor do Espírito Santo alcança todas as partes da alma e a “absorve”, diz ele, como se fosse “absorvida pela Sabedoria”. Antes, essa alma não era tão amável nem doce como é agora “Querendo dizer: pois agora não me afliges mais, nem apertas, nem fatigas como outrora fazias. De fato, convém saber que esta chama de Deus, quando a alma se achava em estado de purificação espiritual, isto é, quando começava a entrar na contemplação, não lhe era tão amiga e suave como agora neste estado de união.” 2 São João da Cruz observa que, antes de passar pela purificação, ou seja, antes de entrar na contemplação da união, essa alma “se afligia, se apertava”, hoje diríamos “se estressava”, se atormentava, “não era tão amiga e suave” como ela se tornou por meio da purificação do fogo do Espírito. É o mesmo fogo do amor que glorifica, fere e purifica a alma “Notemos bem como este fogo de amor, que na união glorificará a alma, é o mesmo que investe primeiramente sobre ela purificando-a. Age de modo análogo ao fogo material sobre a madeira: em primeiro lugar, a investe e fere com a sua chama, secando e consumindo os elementos que lhe são contrários, e assim vai dispondo a madeira, com o seu calor, a fim de penetrar mais profundamente nela e transformá-la em fogo.” 3 “A isto, os espirituais dão o nome de via purgativa. Em tal exercício a alma padece muito detrimento, e sente graves penas noespírito, as quais ordinariamente vêm a repercutir no sentido, pois esta chama de amor lhe é ainda muito esquiva.” 4 São João da Cruz também descreveu esse episódio do “caminho purgativo” na “Subida ao Monte Carmelo”, tal como em “A Noite Escura”. Essas são as “purificações passivas dos sentidos” e as “purificações passivas do espírito”. Esses dois episódios de purificação são necessários para a alma e são vivenciados em diferentes momentos da vida, por meio das provações e circunstâncias pelas quais passa, para que a alma cresça em liberdade interior, pureza e santificação. Posteriormente, “esse mesmo fogo de amor se unirá à alma, glorificando-a”, gratificando-a com dons, talentos e inspirações. Isso corresponderá à etapa da iluminação, que claramente será mais positiva e gratificante. Mas, por enquanto, no caminho da purificação, esse fogo faz com que a alma sinta “certos danos e dores fortes no espírito (que geralmente se refletem nos sentidos), ao sentir essa chama muito rigorosa”. Essa mesma chama de amor é então experimentada como “muito rigorosa”. Isso explica porque muitos podem ser tentados a rejeitar esse trabalho de purificação interior que está ocorrendo providencialmente. E podem ser levados à tentação de acreditar que esse trabalho de purificação do fogo deve ser rejeitado, atribuindo-o ao demônio! “De fato, quando a
Chama Viva de Amor: os efeitos do fogo do Espírito Santo na alma! | Palavra do Fundador – Junho de 2025

Chama Viva de Amor: os efeitos do fogo do Espírito Santo na alma! Chama Viva de Amor: os efeitos do fogo do Espírito Santo na alma! “Apareceram-lhes, então, línguas como de fogo, que se repartiam e que pousaram sobre cada um deles. E todos ficaram repletos do Espírito Santo.” (At 2, 3-4) Ao nos aproximarmos da Festa de Pentecostes e durante os nove dias da Grande Novena do Seminário em preparação para uma nova efusão do Espírito Santo em nossas vidas, pensamos que seria interessante colocar esta introdução sobre o diálogo entre Jesus e Nicodemos. “Disse-lhe Nicodemos: ‘Como pode um homem nascer, sendo já velho? Poderá entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e nascer?’ Respondeu-lhe Jesus: ‘Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito’.” (Jo 3, 4-6) Começa um diálogo entre Jesus e esse judeu, Nicodemos, esse notável membro do grupo dos fariseus, certamente já avançado em idade, que havia entendido que “Deus estava com Jesus” (cf. Jo 3, 2). Ele queria saber mais sobre essa união com Deus por parte do Filho de Deus. Uma curiosidade sadia e santa, que lhe rendeu uma resposta de Jesus ainda bastante enigmática: “Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer do alto não pode ver o Reino de Deus” (Jo 3, 3). Sem esse “novo nascimento”, “ninguém pode ver o Reino de Deus” (Jo 3, 3). Assim como “quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus” (Jo 3, 5). Naquele momento, Nicodemos deve ter se perguntado, como muitos de nós: “Quando foi que eu nasci de novo?” E Jesus continua dizendo: “O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito” (Jo 3, 6). Isso pode ser traduzido da seguinte forma: “o que nasceu da carne é de natureza carnal; o que nasceu do Espírito é de natureza espiritual”. Essa diferença expressa duas realidades distintas. Esse Nicodemos, um teólogo da Primeira Aliança que, portanto, conhecia bem as Sagradas Escrituras e que deveria ter um profundo conhecimento e comunhão com Deus, ficou intrigado com o testemunho de Jesus porque “ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com ele” (Jo 3, 2). Parece-me que essa narrativa com Nicodemos também é uma interpelação para nós: experimentamos um encontro autêntico com o Senhor vivo – talvez há muitos anos para alguns de nós – e estamos realmente vivendo uma vida espiritual verdadeira e fiel no dia a dia? E ainda assim – como Nicodemos – não ficamos insatisfeitos e nos sentimos distantes e incompletos na nossa relação com o Senhor? É claro que é exatamente por isso que todos os anos a Igreja nos convida a nos deixarmos reacender pelo fogo do Espírito Santo. Por isso, devemos invocá-Lo todos os dias: “Vem Espírito Santo, vem Espírito Santo, vem Espírito Santo!” É claro que Ele já veio em várias visitas, celebrações, eventos e orações em nossas vidas… Mas ainda não O acolhemos tão plenamente quanto deveríamos! Queremos fazer nosso o convite de Jesus: “É preciso nascer do Espírito”, “o que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito” (Jo 3, 6). Nenhum de nós pode se acostumar com a vida no e com o Espírito Santo, porque essa vida espiritual de união com Deus nunca pode ser adquirida de uma vez por todas, como se pudéssemos nos tornar pessoas acostumadas e “profissionais da religião”! Nicodemos, como fariseu praticante, poderia ter se sentido assim. Mas nós também, como ele, vivemos “naturalmente” com esse sentimento de que o costume “que torna natural o que é espiritual” é um perigo real e uma ilusão para a nossa vida de união com Deus. É o mesmo perigo que existe quando as pessoas tentam viver a sua vida espiritual a partir de sua sensibilidade. Como se “sentir” a presença de Deus pudesse se tornar um apoio habitual. É verdade que o Senhor pode nos permitir sentir a Sua presença em determinados momentos da nossa vida, mas não devemos usar isso como apoio para a nossa vida espiritual. Precisamos renascer do Espírito Após essa introdução, que nos permite fazer uma clara distinção entre “o que é carnal e o que é espiritual”, vejamos o ensinamento que devemos aprender com São João da Cruz. Para o santo doutor do Carmelo, não é possível que a nossa vida espiritual encontre um apoio habitual e duradouro no terreno da nossa sensibilidade natural. A experiência sensível pode ocorrer durante os primeiros dias, e meses talvez, do encontro, mas não muito além disso. É necessário que a nossa alma se deixe “purificar” e até mesmo “ferir” pelo fogo do Espírito, e até mesmo ser “esvaziada” dos efeitos dos sentidos externos e das faculdades naturais, que estão demasiadamente em nossa posse, controle e influência. Para São João da Cruz, não há nada de negativo ou mórbido nessa purificação, pelo contrário, somente essa “alegria dolorosa” pode abrir a porta de nossa alma para a união e a contemplação de Deus. Para isso, temos de aceitar passar da carne para o espírito, em outras palavras, “nascer de novo” (Jo 3, 3). “O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito” (Jo 3, 6) “Na verdade, é o Espírito Santo, com a Sua presença perene no caminho da Igreja, que irradia nos crentes a luz da esperança: mantém-na acesa como uma tocha que nunca se apaga, para dar apoio e vigor à nossa vida. Com efeito a esperança cristã não engana nem desilude, porque está fundada na certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos do amor divino.” 1 Ó Chama Viva de Amor! Neste mês de junho, que corresponde à preparação para uma nova vinda do Espírito Santo, neste Ano Jubilar, escolhi recorrer à ajuda inspirada de São João da Cruz, Doutor da vida
A Esperança Jubilar da Misericórdia Divina e a Indulgência Plenária | Palavra do Fundador – Maio de 2025

A Esperança Jubilar da Misericórdia Divina e a Indulgência Plenária Para alguns autores de artigos de revistas, a ideia de futuro pode ser facilmente confundida hoje com a de progresso. O Papa Bento XVI, no início de sua Encíclica sobre a Esperança, menciona esse risco de confusão desde a era moderna, a partir do século XVI: “A novidade – conforme a visão de Bacon – está numa nova correlação entre ciência e prática. Isto foi depois aplicado também teologicamente.” 1 É claro que a noção de progresso não é alheia à ideia cristã de um Reino a ser construído. Além disso, quem desejaria hoje voltar à vida das pessoas que viveram antes de Cristo? Ninguém pode negar que o cristianismo foi (e ainda é) uma evidência e uma oportunidade de imenso progresso em vários aspectos tanto da vida dos fiéis quanto da sociedade civil. O Reino de Deus não pode ser construído sem Misericórdia Além disso, se como o próprio Jesus anunciou, “o Reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17, 21), devemos reconhecer que ainda não foi totalmente estabelecido neste mundo. Caso contrário, há o perigo de confundir a cidade dos homens com a Cidade de Deus. É importante não confundir os dois: “a graça de Deus neste mundo” e “a glória eterna no outro” 2. Jesus nunca deixou de mostrar que esse Reino de Deus já está aqui, presente na humanidade e, no entanto, ainda está por vir em sua plena realização. “Interrogado pelos fariseus sobre quando chegaria o Reino de Deus, respondeu-lhes: ‘A vinda do Reino de Deus não é observável. Não se poderá dizer: ‘Eilo aqui! Ei-lo ali!’, pois eis que o Reino de Deus está no meio de vós’.” (Lc 17, 20-21) Ele que anunciou: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do vosso Pai dar-vos o Reino!” (Lc 12, 32). Ele mesmo advertiu: “Meu reino não é deste mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus súditos teriam combatido para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas meu reino não é daqui” (Jo 18, 36). Observemos o número de vezes que Jesus anuncia e proclama: “O Reino de Deus está próximo”. Nessas três palavras, percebemos a Verdade como um díptico com “frente e verso”: primeiro, o anúncio da Boa Nova que Jesus torna presente em Sua pessoa. E, ao mesmo tempo, a humildade discreta com que Ele nos adverte que essa “proximidade” nos obrigará a certas virtudes e condições para entrarmos em sua plena vinda. “Da mesma forma também vós, quando virdes essas coisas acontecerem, sabei que o Reino de Deus está próximo.” (Lc 21, 31) As fontes inesgotáveis da misericórdia divina O Evangelista São João relata as duas aparições do Senhor Ressuscitado: a primeira, no próprio dia da Ressurreição (cf. Jo 20, 19), e a segunda, “oito dias depois” (Jo 20, 26). Foi nessa segunda ocasião que o Senhor Jesus mostrou a Tomé e aos discípulos presentes os sinais da crucificação: em “suas mãos”, “seus pés” e “seu lado” (Jo 20, 27). Esses são os sinais muito reais e visíveis em Seu corpo ressuscitado. “Aquelas sagradas chagas, nas mãos, nos pés e no lado, são fonte inexaurível de fé, de esperança e de amor da qual todos podem haurir, especialmente as almas mais sequiosas da Divina Misericórdia.” 3 “O Novo Testamento fala-nos da misericórdia divina (‘eleos’) como síntese da obra que Jesus veio realizar no mundo em nome do Pai (cf. Mt 9, 13). A misericórdia de Nosso Senhor manifesta-se sobretudo quando se debruça sobre a miséria humana e demonstra a Sua compaixão por quem precisa de compreensão, cura e perdão. Em Jesus, tudo fala de misericórdia. Mais ainda, Ele mesmo é a misericórdia.” 4 São João Paulo II foi o grande apóstolo e Papa da Divina Misericórdia de nosso tempo. A Misericórdia Divina esteve verdadeiramente no centro do seu pontificado, particularmente em três atos notáveis: – Ao escrever, em 1980, a Encíclica “Dives in misericordia” – Ao canonizar Santa Faustina Kowalska (1905-1938) no dia 30 de abril de 2000. – E ao declarar o domingo depois da Páscoa como “Domingo da Misericórdia”, celebrado pela primeira vez no dia 22 de abril de 2001. Foi no Santuário da Divina Misericórdia, em Kraków-Łagiewniki, perto de Cracóvia, na Polônia, que São João Paulo II inaugurou o terceiro milênio confiando o mundo à misericórdia do Pai, no dia 17 de agosto de 2002. No mesmo lugar que ele visitava regularmente durante a sua juventude e onde está conservado o corpo de Santa Faustina Kowalska. A Divina Providência quis que esse grande Papa morresse precisamente na véspera do Domingo da Divina Misericórdia, na noite de 2 de abril de 2005. A Misericórdia Divina: a única fonte de esperança A fim de abrir nossos corações à graça da Divina Misericórdia durante este Ano Jubilar, deixemos que estas palavras essenciais da homilia de São João Paulo II na Dedicação do Santuário da Divina Misericórdia, no dia 17 de agosto de 2002, em Cracóvia, nos ajudem: “Repito hoje estas palavras, simples e sinceras, de Santa Faustina, para adorar juntamente com ela e com todos vós o mistério inconcebível e insondável da misericórdia de Deus. Como ela, queremos professar que não existe para o homem outra fonte de esperança, fora da misericórdia de Deus. Desejamos repetir com fé: Jesus, tenho confiança em Ti!” Corações em busca de uma fonte inabalável de esperança “A invocação da misericórdia de Deus surja do fundo dos corações repletos de sofrimento, de apreensão e de incerteza, mas que, ao mesmo tempo, procura uma fonte infalível de esperança.” 5 “É por isso que hoje viemos aqui, ao Santuário de Lagiewniki, para redescobrir em Cristo o rosto do Pai: daquele que é ‘Pai da misericórdia e Deus de toda a consolação’ (2Cor 1, 3). Com os olhos da alma desejamos fixar o olhar de Jesus misericordioso para encontrar na profundidade deste olhar o reflexo da Sua vida, assim como a luz da graça que já recebemos tantas vezes, e que Deus nos destina
A Ressurreição de Jesus Cristo: fonte e fundamento da nossa Esperança | Palavra do Fundador – Abril de 2025

A Ressurreição de Jesus Cristo: fonte e fundamento da nossa Esperança Todos os anos, os cristãos são chamados a escalar “a montanha mais alta da nossa fé”, que é a Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, a comemoração de Sua Paixão, Morte e Ressurreição. De fato, não há realidade mais importante para a nossa fé, a qual está fundada nesse evento pascal. Como diz Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé” (1Cor 15, 17). Esse evento pascal, em si, é fundamentado na Aliança de Deus com o Seu povo, uma aliança iniciada com Adão, depois renovada com Noé, para ser concluída como a “Primeira Aliança” com Abraão, Isaac e Jacó, e agora definitivamente cumprida em Jesus Cristo. É essa Nova Aliança que dá aos fiéis a vida de Deus, que é a vida eterna. Cristo crucificado e ressuscitado é a nossa esperança! Não pode haver definição melhor do que a dada pelo grande exegeta Padre Marie-Joseph Lagrange 1, que, falando dessa Nova Aliança, a descreve como “o abraço de Deus”, para expressar a união do Filho de Deus com a humanidade no mistério da Encarnação e da Cruz. Nesse “abraço” com a humanidade, Cristo se une a cada ser humano, cumprindo o mistério da Redenção por meio da Encarnação e da Cruz. Esse mistério, iniciado no ventre da Virgem Maria, é cumprido na cruz e na morte de Jesus. O Filho de Deus, que tomou sobre si o mal e todos os infortúnios e misérias da humanidade de todos os tempos, derrama a glória de Sua divindade sobre aqueles que colocam a sua fé e a sua confiança Nele. A humanidade de Jesus foi semelhante à de todos os homens, exceto no pecado, e ela é o denominador comum de Deus com o gênero humano: “Pela Sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem” 2. A esperança não é algo, mas Alguém! Para os discípulos, o que ficou gravado como um trauma no espírito deles foi certamente o evento da Cruz. Para eles, companheiros na comunidade por três anos de vida intensa, tudo desmoronou, tudo acabou. Mas, especialmente para os discípulos da cultura judaica, essa Cruz foi considerada “a Cruz infame”, símbolo da morte e, acima de tudo, da maldição (cf. Dt 21, 22-23; Gl 3, 13), o pior insulto e humilhação que poderia ser feito a um homem condenado, quanto mais ao Messias. “‘Selaram a pedra’ (Mt 27, 66). Tudo parece ter acabado. Para os discípulos de Jesus, aquela pedra marca o fim da esperança. O Mestre foi crucificado, morto da maneira mais cruel e humilhante, pendurado num patíbulo infame fora da cidade: um fracasso público, o pior final possível – naquela época era o pior. Pois bem, aquele desânimo que oprimia os discípulos não nos é totalmente estranho hoje.” 3 Foi somente mais tarde que os discípulos de Jesus descobriram um novo começo, na própria Cruz. Como o Papa Francisco explica em suas catequeses: “Pensemos precisamente na cruz: do mais terrível instrumento de tortura, Deus obteve o maior sinal do amor. Aquele madeiro de morte, transformado em árvore de vida, lembra-nos que os inícios de Deus começam muitas vezes a partir dos nossos fins: é assim que Ele gosta de fazer maravilhas. Então, hoje olhemos para a árvore da cruz, para que em nós brote a esperança: aquela virtude diária, aquela virtude silenciosa, humilde, mas aquela virtude que nos mantém em pé, que nos ajuda a ir em frente. (…) Hoje, olhemos para a árvore da cruz para que germine em nós a esperança: para sermos curados da tristeza – mas, quanta gente triste…” 4 Não foram os pregos que prenderam Nosso Senhor à Cruz, foi o amor Com os olhos da fé, a morte de Jesus na Cruz representa o ápice do amor de Deus, que é mais forte do que a morte. “Nem os pregos nem a cruz poderiam ter detido o Verbo, o Filho de Deus, se o amor não o tivesse prendido”. Como Santa Catarina de Sena expressou em várias de suas cartas: “O sangue de Cristo tornou-se fonte para lavar nossas enfermidades, e os cravos tornaram-se a chave para abrir a porta do céu.” 5 “Os cravos sozinhos não seriam suficientes para retê-lo, se não houvesse o amor. São esses laços que amarram a alma em Deus e a tornam uma só coisa com Ele, numa união de amor. Ó doce e terno amor! Tu purificas a alma, dissolves a nuvem da paixão sensível, iluminas a inteligência e fazes contemplar a eterna verdade.” 6 O Beato Raimundo de Cápua, que foi o pai espiritual de Santa Catarina, sublinha este ponto no livro da sua Vida: “Não foram os pregos que prenderam Nosso Senhor à cruz, foi o amor; não foram os homens que venceram, foi o amor; como poderiam os homens ter vencido Aquele que, com uma palavra, os teria derrubado a todos por terra?” 7 Todos os anos, a Igreja celebra a Páscoa desse “abraço de Deus” com a humanidade através do Corpo de Jesus: Doloroso em Sua Paixão, Luminoso em Sua Ressurreição e Fortalecido pelo Espírito Santo no Amor do Pai. O Papa São João Paulo II, que sofreu durante muitos anos antes de sua morte, obteve da Cruz de Cristo “a esperança que brota da Cruz” 8. Todos nós conhecemos a famosa declaração do Apóstolo São Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé” (1Cor 15, 17). O mesmo poderia ser dito sobre a esperança: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa esperança”. Mais adiante, São Paulo continua dizendo: “Se esperamos em Cristo somente para esta vida, somos os mais miseráveis de todos.” (1Cor 15, 19) “A esperança nasce do amor e se funda no amor que brota do Coração transpassado de Jesus na Cruz.” 9 Jesus Cristo ressuscitado é a fonte da minha Esperança? O ano de 2033 será o próximo Ano Jubilar, que celebrará o aniversário jubilar da Morte e Ressurreição do Senhor. Do Coração
“Deixemo-nos purificar dos substitutos da Esperança” | Palavra do Fundador – Março de 2025

40 dias: um deserto de amor e esperança Este mês de março começa com o início dos quarenta dias da Quaresma. O número “quarenta” tem um forte significado simbólico na Bíblia, refere-se aos quarenta anos que o povo de Israel passou no deserto, entre a saída do Egito e a entrada na terra prometida, e também aos quarenta dias que Cristo passou no deserto entre o Seu batismo e o início da Sua vida pública e missão. Foi no século IV que o Concílio de Nicéia, em 325, transformou a Quaresma em um tempo litúrgico específico com duração de 40 dias, dedicado: à formação dos catecúmenos, ao jejum, ao combate espiritual, ao retorno à Deus, à conversão, à confissão dos pecados, à penitência, à purificação interior e à reconciliação. A cada ano, a liturgia no início da Quaresma relembra os três exercícios essenciais a serem praticados: a oração, o jejum e a partilha ou esmola. Mas não devemos nos esquecer da dimensão feliz e positiva desse tempo litúrgico, que também é: “um deserto aberto à esperança e a um amor maior”, como profetizou Oséias: “Eis que vou, eu mesmo, seduzi-la, conduzi-la ao deserto e falar-lhe ao coração. Dali lhe restituirei as suas vinhas, e o vale de Acor será uma porta de esperança. Ali ela responderá como nos dias de sua juventude.” (Os 2, 16-17) O tempo da Quaresma começa todos os anos com a Quarta-feira de Cinzas (neste ano, no dia 5 de março) e terminará na Quinta-feira Santa, dia 17 de abril de 2025. Ao longo dos séculos, a prática do jejum foi adaptada. A Quaresma é um tempo favorável para viver algumas abstinências e privações (jejum), convidando-nos a nos privarmos de uma realidade que nos condiciona, seja ela: comida, carne ou outra; álcool, ou outras substâncias; apego às telas, TV, computador, celular, com os vícios que o acompanham; redes sociais; jogos, etc… Todos podem decidir se desapegar de algo material, especialmente se isso acabar prejudicando os seus relacionamentos, a sua própria vocação e a sua liberdade interior. O principal objetivo do jejum e das abstinências é sempre alcançar um maior amor de caridade para com os outros e uma maior liberdade interior, que se torna mais livre dos apegos terrenos de ano para ano. Para se prepararem para a celebração anual da Páscoa, os israelitas tinham que eliminar o “fermento velho”, ou seja, a massa fermentada proveniente de um processo anterior de fabricação de pão. Em termos de vida espiritual, o fermento simboliza a corrupção do pecado enraizada em nossa vida habitual. Todos nós precisamos ser libertados do fermento velho que simboliza a nossa vida antiga, aquela de que nos envergonhamos hoje. Essas são as “obras da carne” listadas pelo apóstolo Paulo em Gl 5, 19-21. As palavras do Apóstolo Paulo poderiam ser um programa de preparação para a nova Páscoa: “Purificai-vos do velho fermento para serdes nova massa, já que sois sem fermento. Pois nossa Páscoa, Cristo, foi imolada. Celebremos, portanto, a festa, não com velho fermento, nem com fermento de malícia e perversidade, mas com pães ázimos: na pureza e na verdade.” (1Cor 5, 7-8) Embora Jesus fosse particularmente intransigente com relação ao pecado, está claro que Ele era amigo dos pecadores, especialmente daqueles que se reconheciam como tal e que, portanto, se encontravam na atitude espiritual de humildade para acolher a Misericórdia Divina. Por outro lado, a dureza de coração dos fariseus lhe rendeu muitas de suas críticas. Sem humildade, a graça da Esperança permanece estéril. Em um de seus sermões, Santo Agostinho fez uma bela meditação sobre a parábola do publicano e do fariseu (cf. Lc 18, 9-14): “O que o fariseu pediu a Deus? Procurem suas palavras e não encontrarão nada. Ele subiu para orar, mas não queria suplicar ao Senhor, queria louvar a si mesmo. Não louvar a Deus, mas louvar-se a si mesmo, ainda era pouco: além disso, ele expressou seu desprezo por aquele que estava orando. Quanto ao publicano, ele estava à distância – e, no entanto, estava perto de Deus. A consciência do seu coração o movia, mas um sentimento filial o prendia ao Senhor. As Escrituras dizem: ‘O publicano estava de longe’, mas Deus o ouvia atentamente. Pois o Senhor é ‘o Altíssimo’, mas ‘olha para as coisas humildes’, e ‘de longe conhece os grandes’, como esse fariseu. Há alturas que Deus conhece de longe, mas não perdoa. Ouça novamente a humildade do publicano: ‘estava à distância’ – isso é muito pouco: ‘nem sequer se atreveu a levantar os olhos para o céu’: sequer olhou para cima para ser digno de ser visto. Ele não ousou olhar para cima: a sua consciência o esmagava, a sua esperança o elevava. Ouça novamente: ‘batia no peito’. Ele era o executor de sua punição. É por isso que o Senhor mostrou misericórdia ao pecador que confessou sua culpa. ‘O publicano batia no peito, dizendo: ‘Senhor, tem misericórdia de mim, pecador’. Isso é alguém rezando! Que maravilha se Deus não conhece mais o pecado quando o pecador o reconhece!” 1 Santo Agostinho sublinha para nós a importância de “sentir o preço da misericórdia divina que é fonte única e esperança” 2. Passando pela porta estreita Ao longo deste Ano Jubilar, “portas santas” serão instaladas em Roma e em cada diocese, simbolizando a passagem, a “Páscoa”, onde cada peregrino poderá experimentar esse processo de mudança de uma margem para a outra, do velho para o novo, de um antes para um depois. Já citamos o versículo do Evangelho de João, no qual Jesus declara: “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem” (Jo 10, 9). A tradição dessa passagem de fé remonta ao século XV. Desde o Jubileu do ano 2000, foi o próprio Papa São João Paulo II que abriu e fechou cada uma dessas portas na Basílica de São Pedro, em Roma. A Basílica de São Pedro foi a primeira a ser aberta e a última a ser fechada. Para
“São Pedro, o Apóstolo da Esperança!” | Palavra do Fundador – Fevereiro de 2025

São Pedro, o Apóstolo da Esperança Que relação a nossa fé tem com o apóstolo São Pedro, em particular, e também com o Papa Francisco, seu sucessor, hoje? Entre a Doutrina da fé católica, a história da Igreja e a vida espiritual, este mês de fevereiro, com a Festa da Cátedra de São Pedro, no dia 22, dá-nos a oportunidade de tentarmos entender como o Apóstolo São Pedro pode ser, para cada um de nós: um guia e um farol para a nossa fé na Igreja de Cristo, uma motivação em nosso amor pela Igreja e um Apóstolo da Esperança. O Apóstolo São Pedro escreveu duas Cartas que foram incluídas no cânone bíblico do Novo Testamento. A redação final dessas cartas provavelmente ocorreu entre os anos 80 a 90 1. Ele faz eco dos escritos de São Paulo, colocando a esperança, como ele, em um contexto de perseguição e dificuldade para as comunidades cristãs da Ásia Menor. Em sua primeira Carta, que compreende apenas cinco capítulos curtos, o Apóstolo apresenta a virtude da esperança em quatro citações (1Pd 1, 3-5; 1Pd 1, 13; 1Pd 1, 21; 1Pd 3, 13-15): “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, em Sua grande misericórdia, nos gerou de novo, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma esperança viva, para uma herança incorruptível, imaculada e imarcescível, reservada nos céus para vós, os que, mediante a fé, fostes guardados pelo poder de Deus para a salvação prestes a revelar-se no tempo do fim.” (1Pd 1, 3-5) O Apóstolo apresenta primeiro a fonte da nova vida, “gerada de novo na ressurreição de Cristo” e, imediatamente depois, evoca a sua visão escatológica: na “esperança viva” da “herança incorruptível”, “que se revelará no tempo do fim”. Assim, a sua carta começa com a fonte onde a esperança ganha vida e continua com a visão para além da vida terrena do Reino dos Céus. Um primeiro teste para a nossa fé: a fé que espera “Com prontidão de espírito, sede sóbrios e ponde toda a vossa esperança na graça que vos será trazida por ocasião da Revelação de Jesus Cristo.” (1Pd 1, 13) Em seguida, o Apóstolo convida os cristãos a viverem a realidade de sua vida atual orientada para a escatologia e a Parusia do Senhor. Aqui aparece um primeiro teste da nossa fé: “Você realmente vive a sua vida cotidiana voltado(a) para o Oriente (‘orientado’)mnessa direção da Vinda de Cristo no Último Dia? A suamfé é acompanhada ou não por essa Esperança?” “Portai-vos com temor durante o tempo do vosso exílio. Pois sabeis que não foi com coisas perecíveis, isto é, com prata ou com ouro, que fostes resgatados da vida fútil que herdastes dos vossos pais, mas pelo sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeitos e sem mácula.” (1Pd 1, 17-19) Ao escrever “portai-vos com temor”, São Pedro não está, de forma alguma, dizendo aos cristãos a quem ele escreve, para “afundarem no medo”, – especialmente em tempos de perseguição! – como São Paulo também escreveu aos Romanos (cf. Rm 8, 15). Mas ele quer enfatizar o “antes” e o “depois” de uma nova vida, nascida de novo “em Cristo”. Como antigos escravos, agora “libertados” pelo “Cordeiro sem defeito e sem mancha, o sangue de Cristo” (1 Pd 1, 19). Como seres livres que agora direcionam suas vidas cotidianas para o seu Amado Mestre. A fé no Reino dos Céus, o nosso olhar cheio de esperança para o Céu, em outras palavras, a nossa “fé escatológica”, não nos desmobiliza, nem nos faz fugir, nem nos afasta dos compromissos deste mundo. Como o cardeal teólogo Henri de Lubac disse tão bem em sua época: “A crença na eternidade não nos tira do presente e nos perde em sonhos, como às vezes nos dizem, muito pelo contrário. Em vez disso, foi por falhar na eternidade que os cristãos falharam em seu tempo.” 2 A vossa fé é, ao mesmo tempo, a vossa esperança em Deus “Por Ele, vós crestes em Deus, que o ressuscitou dos mortos e lhe deu a glória, de modo que a vossa fé e a vossa esperança estivessem postas em Deus.” (1Pd 1, 21) A esperança não pode ser separada da fé e, com as duas virtudes teologais, são obrigadas a avançar juntas. Como o escritor católico Charles Péguy (1873 – 1914) descreveu, com originalidade e uma fé viva, à maneira de Deus: “A crença de que eu gosto mais, diz Deus, é a esperança. A fé, isso não me espanta. Isso não é espantoso. Eu resplandeço de tal maneira na minha criação. No sol e na lua e nas estrelas. E no homem. Minha criatura. (…) A caridade, diz Deus, isso não me espanta. Isso não é espantoso. Essas pobres criaturas são tão infelizes que a não ser que tivessem um coração de pedra, como não haveriam de ter caridade umas para com as outras. Como não haveriam de ter caridade para com seus irmãos. (…) Mas a esperança, diz Deus, eis o que me espanta. A mim mesmo. Isso é espantoso. Que essas pobres crianças vejam como tudo acontece e acreditem que amanhã vai ser melhor. Que vejam como acontece hoje e acreditem que vai ser melhor amanhã cedo. Isso é espantoso e é mesmo a maior maravilha da nossa graça. E eu mesmo me espanto com isso. E é preciso que de fato minha graça seja de uma força incrível, e que ela escorra de uma fonte e como um rio inesgotável. Desde aquela primeira vez que ela escorreu e escorre sempre desde então.” 3 O segundo teste: qual é a razão da esperança que está em você? “E quem vos há de fazer mal, se sois zelosos do bem? Mas se sofreis por causa da justiça, bemaventurados sois! Não tenhais medo nenhum deles, nem fiqueis conturbados; antes, santificai a Cristo, o Senhor, em vossos corações, estando sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pede;
Do otimismo das esperanças humanas aos fundamentos bíblicos da “Grande Esperança”, face aos desafios atuais Palavra do Fundador – Janeiro 2025

Do otimismo das esperanças humanas aos fundamentos bíblicos da “Grande Esperança”, face aos desafios atuais O tema da esperança não é desconhecido na mitologia grega. O filósofo e poeta Hesíodo (século VIII ou VII a.C.) conta a história de Prometeu, bem como o famoso mito da “Caixa de Pandora”. Nessa história mítica, Zeus aceita o casamento de sua filha Pandora com Epimeteu, com a condição de que ela mantenha a “caixa” fechada, que ele confia a ela como presente de casamento. Esse pacto – ou contrato- tinha a intenção de selar e proteger a aliança do casal. Mas, tentada pela curiosidade, Pandora abriu a caixa, liberando assim na Terra todos os males, ou seja, todos os infortúnios, contidos nela. Ela só teve tempo de reter a “esperança”. Assim, o acordo foi quebrado e desfeito, tanto entre a filha e seu pai quanto entre ela e seu amado. De fato, essa “caixa de Pandora” continha todos os males da humanidade listados na época: Velhice, Doença, Guerra, Fome, Miséria, Loucura, Vício, Engano, Paixão, Orgulho… e também Esperança! Mas por que o autor quis que a esperança estivesse presente entre todos os males? A palavra grega: “ἐλπίς” = “elpís”, define a “expectativa de algo”, comumente traduzida como “esperança”. A esperança está presente em todos os povos, em todas as culturas e em todas as épocas. No entanto, tem um sentido e um significado que são levados mais ou menos a sério. Como, por exemplo, o significado que lhe deu o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), que a chamou de “a virtude dos fracos”. Para o escritor e poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), ela é vista como uma sugestão encantadora, ingênua e leve, comparável aos sonhos das crianças: “E só se, meio dormindo, sem saber de ouvir ouvimos, que ela nos diz a esperança a que, como uma criança dormente, a dormir sorrimos” 1. Mas, muito diferente da esperança humana e também do otimismo, a esperança, quando liberada de sua “Caixa de Pandora” em cada um de nós, permite que descubramos aberturas e resultados extraordinários e imprevistos, de uma maneira que nunca poderíamos ter imaginado. Todo ser humano carrega – em maior ou menor grau – esse desejo de um dia melhor, a preocupação de finalmente ir além de nossos limites estreitos. Faz parte de estar vivo ter esperança de que amanhã “ vai ser melhor”, e aquele que não tiver mais nenhuma esperança ou expectativa não terá já feito a – infeliz – escolha do oposto da vida? O poeta florentino Dante Alighieri (1265-1321), no início do terceiro canto da Divina Comédia, coloca essa fórmula (bem conhecida) na porta do inferno, que fala e diz: “Deixai toda esperança, vós que entrais” 2. O significado bíblico da esperança O significado bíblico da esperança – ligado à fé – é um tema central muito rico, pois oferece uma base ampla e profunda para todas as expectativas e aspirações da humanidade em todos os tempos. Como diz o teólogo e pastor luterano Jürgen Moltmann: “A Bíblia conta, no passado, a história das antecipações realizadas por Deus sobre o futuro e torna presente o que, nesse passado, permanece em aberto, inacabado e em espera… Chegará o dia em que a teologia bíblica do ‘está escrito’ terá se tornado uma ontologia do ‘já aconteceu’.” 3 Essa esperança bíblica, continua J. Moltmann, “diz respeito aos sem esperança, não aos otimistas” 4, e é dirigida principalmente aos pobres e àqueles que são vítimas de injustiça. A Palavra de Deus, por meio da Sagrada Escritura, ao relembrar a história do povo – ecoando nossa própria história – desperta a esperança na ação e na vinda de Deus. Essa ligação entre o passado, o presente e o futuro faz surgir em nossos corações a esperança de uma nova liberdade interior. É por isso que podemos dizer – seguindo São João da Cruz que o Espírito Santo deposita em nossa faculdade de memória o Dom da Esperança. São João da Cruz considerava que a memória, como uma faculdade do espírito, distinta da inteligência e da vontade, está unida a Deus pela virtude teologal da esperança. Para o mestre da Escola do Carmelo, as três faculdades: inteligência, vontade e memória, correspondem às três virtudes teologais: Fé, Caridade e Esperança. O Deus da Esperança, que se revela aos judeus e cristãos, não é comparável aos deuses dos pagãos, que esperam que eles satisfaçam seus desejos e os realizem imediatamente. O Deus que libertou Israel certamente se encarrega da angústia humana (cf. Ex 3, 7-9), mas, tendo nos criado livres, Ele também conta com a nossa escolha, nossa liberdade e nossa vontade. É por isso que Ele não pode agir à maneira da sabedoria humana, mas conjugando, em todos os momentos, Sua santa vontade com a nossa liberdade e escolhas pessoais. No campo da fé e da teologia, temos que falar sobre o “Deus que vem”, a palavra “adventus” designa “aquilo que vem”. A palavra que significa “futuro” “futurum”, por outro lado, refere-se ao que virá. Essa é a diferença entre a escatologia e a filosofia do futuro. Uma das passagens bíblicas que é o grande ponto de referência para todo o Ano Santo e que liga a Primeira e a Nova Aliança é a citação de Isaías 61, 1-2, usada pelo próprio Jesus no início do Seu ministério público na Sinagoga de Nazaré: “Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías; abrindo-o, encontrou o lugar onde está escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor.” (Lc 4, 17-19) Alguns fundamentos bíblicos sobre a esperança no Novo Testamento São Paulo explica à comunidade cristã de Tessalônica como o dom da esperança nos permite passar pela provação da morte de uma forma diferente do que os pagãos: “Irmãos, não queremos que ignoreis o que se refere aos mortos, para não ficardes
Preparação para o Ano Santo com o Apóstolo Pedro | Palavra do Fundador – Dezembro 2024

Preparação para o Ano Santo com o Apóstolo Pedro “As chaves do reino dos céus e o céu, o prêmio da nossa esperança.” O Papa Francisco colocou o Ano Santo de 2025 sob o tema “Peregrinos da Esperança”. “Para que o Ano Santo seja preparado e celebrado com fé intensa, esperança viva e caridade ativa” 1. O Ano Jubilar, celebrado na Igreja a cada cinquentenário e depois a cada vinte e cinco anos, permite que o povo santo de Deus vivencie essa celebração como um dom especial de graça, caracterizado pelo perdão dos pecados e, em particular, pela indulgência que é a expressão plena da misericórdia de Deus. No final de uma peregrinação (à Terra Santa e a Roma), os fiéis podem ter acesso ao tesouro espiritual da Igreja atravessando a Porta Santa e venerando as relíquias dos Apóstolos Pedro e Paulo preservadas nas Basílicas Romanas. Ao longo dos séculos, milhões de peregrinos visitaram esses lugares sagrados, dando testemunho vivo de sua fé. O Grande Jubileu do ano 2000 introduziu a Igreja no terceiro milênio. São João Paulo II havia preparado e desejado há muito tempo essa celebração dos dois mil anos do nascimento de Jesus Cristo, o Salvador da humanidade. Estamos agora aproximando-nos dos primeiros vinte e cinco anos do século XXI. Uma etapa especial, após o Jubileu Extraordinário da Misericórdia 2, que nos permitiu redescobrir toda a força e a ternura do Amor misericordioso do Pai, para que possamos, por nossa vez, ser testemunhas Dele. “O próximo Jubileu poderá favorecer imenso a recomposição dum clima de esperança e confiança, como sinal dum renovado renascimento do qual todos sentimos a urgência. Por isso escolhi o lema Peregrinos de esperança.” 3 O chamado de Pedro e dos apóstolos O ministério de todos os apóstolos era substancialmente o mesmo: todos eles tinham que dar testemunho da ressurreição de Jesus, receber e transmitir a revelação da verdade cristã, elaborar diretrizes pastorais e canônicas, em suma, administrar a Igreja de Cristo. Pedro, por outro lado, recebeu um privilégio único que, em termos de poder jurisdicional, o colocou imediatamente na posição especial de “servo” de todos os apóstolos. Se a tradição católica faz dele o “Príncipe dos Apóstolos”, o primeiro bispo de Roma e da Igreja Universal, Pedro também é chamado de “o servo dos servos”, em relação às palavras de Cristo aos doze apóstolos: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e o servo de todos.” (Mc 9, 35) Pedro era originalmente chamado de Simão, mas quando Jesus o chamou pela primeira vez à margem do lago, deu-lhe o nome de Simão Kephas ou Kêfâ em aramaico. Seu apelido aramaico helenizado, Kephas, é traduzido para o francês como Cephas ou Képhas, que significa “rocha”. Jesus brinca com as palavras quando diz a Pedro: “Pedro (Kephas), você é uma rocha (em grego, petros), e sobre essa rocha (em grego, petra) edificarei a minha igreja (ekklésia)”. O chamado de Pedro nos três textos do Evangelho No texto (mais longo) de São Mateus (Mt 16, 13-20), Jesus responde à confissão de fé de Simão Pedro: “Jesus respondeu-lhe: ‘Bem aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim o meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus’.” (Mt 16, 13-20) Pedro é o fundamento sobre o qual Cristo construirá sua Igreja como um edifício. As portas do Hades, ou seja, os poderes da morte ou, certamente, as potências do mal, não prevalecerão contra ela. Pedro receberá o poder das chaves para abrir e fechar o Reino dos Céus e é por isso que Pedro é representado carregando as chaves em sua mão. De acordo com São Lucas (Lc 22, 31-32), os apóstolos serão provados, mas o Senhor orou por Pedro, e é a ele que caberá a missão de confirmar seus irmãos: “Simão, Simão, eis que Satanás pediu insistentemente para vos peneirar como trigo; eu, porém, orei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça. Quando, porém, te converteres, confirma teus irmãos.” Pedro recebeu a tarefa particular de fortalecer os apóstolos É exatamente aquele que teve a experiência única da Divina Misericórdia que deve fortalecer seus colegas pastores na Fé e na Esperança. O terceiro texto, em São João, está incluído nos relatos das aparições de Jesus Ressuscitado às margens do Lago Tiberíades: “Depois de comerem, Jesus disse a Simão Pedro: ‘Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes’? Ele lhe respondeu: ‘Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo’. Jesus lhe disse: ‘Apascenta os meus cordeiros’. Uma segunda vez lhe disse: ‘Simão, filho de João, tu me amas?’ — ‘Sim, Senhor’, disse ele, ‘Tu sabes que Te amo’. Disse-lhe Jesus: ‘Apascenta as minhas ovelhas’. Pela terceira vez disse-lhe: ‘Simão, filho de João, tu me amas?’ Entristeceu-se Pedro porque pela terceira vez lhe perguntara ‘Tu me amas?’ E lhe disse: ‘Senhor, Tu sabes tudo; tu sabes que eu Te amo’. Jesus lhe disse: ‘Apascenta as minhas ovelhas’.”(Jo 21, 15-17) O que a Igreja tem lido nesses textos há dois mil anos é que Jesus deu a Pedro, a soberania da jurisdição espiritual e que passaria depois dele a todos os seus sucessores, ou seja, aos vários papas romanos. E isso não se deve a nenhuma superioridade segundo o espírito do mundo, mas ao princípio da caridade e do serviço de acordo com o Evangelho. O Evangelho confere um novo privilégio jurisdicional a Pedro. Ele funda a Igreja não apenas de modo episódico, à maneira dos outros apóstolos (o privilégio apostólico), mas também permanentemente. Esse fato atribuiria a Pedro um lugar especial entre os apóstolos (o que o Cardeal Journet chama de “privilégio transapostólico”). Todos os apóstolos trabalharam para fundar episodicamente a Igreja, segundo o primeiro modo,
O Espírito de Cristo, alma da santidade da Igreja | Palavra do Fundador – Novembro 2024

O Espírito de Cristo, alma da santidade da Igreja Todo ano, o primeiro dia desse mês permite que celebremos as virtudes de todos os Santos conhecidos e desconhecidos da Igreja. Mas quem são os Santos aos nossos olhos, como nós os vemos? Nós os vemos como heróis, como profetas ou como pessoas de outro mundo? A Igreja Católica reconhece três níveis de santidade: Os “veneráveis” (primeiro nível), reconhecidos pela “heroicidade de suas virtudes cristãs”, embora não lhes seja prestado culto; Os“beatos” (segundo nível), cuja veneração pode ser limitada a uma região, um país ou uma ordem religiosa; E os “santos”, “canonizáveis”, (terceiro nível), cuja veneração é estendida a toda a Igreja Católica. No entanto, a santidade não deve ser considerada nem um símbolo de “pequenez” nem uma distinção, porque se a Igreja é santa, na sua Pessoa, não o é porventura, através do Seu Senhor-Esposo que a habita? São Francisco de Sales, o grande Pastor e Doutor da Igreja, escreveu sobre esse assunto a uma de suas almas acompanhadas: “Nosso Senhor, tendo dito que, de todos os nascidos de mulher, ninguém era maior do que João (Lc 7,28), acrescenta: Mas aquele que é o menor no reino dos céus, isto é, na Igreja, é maior do que ele (Lc 7,28). Ó minha querida filha, é verdade, pois o menor cristão comungante é maior do que São João: e o que significa sermos tão pequenos em santidade?” 1 O próprio Jesus deu o significado do Reino dos Céus, reconhecendo a Igreja como “um pequeno rebanho” do Senhor: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Vosso Pai dar-vos o Reino! “ (Lc 12, 32) O pequeno rebanho é a Igreja, sempre exilada na terra, mas que traz em seu coração a graça e a verdade recebidas de Cristo, Seu Senhor, é o Templo de Deus e o Espírito do Senhor habita nela. O teólogo do Concílio Vaticano II, o cardeal suíço Charles Journet, definiu a situação da Igreja peregrina nos seguintes termos: “A Igreja já é o Reino, mas em um estado peregrino e crucificado. Mas ela não precisa temer. Um dia, o sol da vida eterna, escondido dentro dela como se estivesse em uma névoa, irromperá plenamente para dissipar suas provações e transfigurar seu invólucro carnal. O Reino doloroso se tornará glorioso. Não temam, pequeno rebanho, pois que possuis a vida eterna na tristeza, mas, muito em breve, a possuirás na glória (…) Por um lado, o Reino já está na terra e, por outro, a Igreja já está no céu. Ao colocar ‘as chaves do reino dos céus’ nas mãos de Pedro (Mt 16, 19), Jesus quer dizer claramente que esse reino, em seu estado atual, não pode prescindir de uma hierarquia.” 2 “Porque não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da cidade que está para vir” (Hb 13,14) A Igreja é uma realidade no mundo, está aberta a todos, mas nem todos a conhecem. De fato, podemos olhá-la de três ângulos diferentes. É somente no terceiro olhar que ela se revela. Como houve três olhares sobre Jesus, assim também existem três olhares sobre a Igreja. Na época em que Jesus viveu na Terra, entre a população da Palestina, houve três maneiras possíveis de olhar para Ele. 1. Muitos conheceram-No e viram-No apenas como um homem igual a todos os outros. Passaram por Ele sem perceberem de quem se tratava. “Esse não é Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos?” (Jo, 6. 42) Eles podem ter ficado surpresos com Sua pregação por um tempo, mas acabaram classificando-o como um homem iluminado ou um revolucionário político. Nenhum deles foi além da aparência das coisas. 2. Outros tiveram uma visão mais penetrante de Cristo. Eles conseguiram discernir qualidades excepcionais Nele. Viram, por parte desse homem, em Seus ensinamentos, uma sabedoria surpreendente por parte desse homem, e na santidade de Sua vida, perceberam algo único. Viram em Suas ações e em Suas obras, o sinal de um poder que não é o de um homem, e pensaram que se tratava de um profeta. “‘Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?’ Disseram: ‘Uns afirmam que é João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou um dos profetas’.” (Mt 16, 13-14) 3. Outros olharam para Jesus com fé sobrenatural. Eles acreditavam no mistério do Verbo feito carne. A seus olhos, o milagre de sua vida foi explicado. Somente eles conheceram verdadeiramente Cristo. Então, o Apóstolo Tomé foi capaz de confessar: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20, 28). Os três olhares sobre a Igreja: 1. Há o olhar do observador superficial, do estatístico, do historiador das religiões, quando se limita a elaborar uma obra descritiva. A Igreja então, é apresentada apenas como mais uma sociedade religiosa, entre tantas outras. É bastante fácil, no primeiro estágio, isolá-la do grupo de outras religiões cristãs ou não cristãs, descrever seu tipo de governo e suas estruturas, seu ensino e suas práticas religiosas, seu sacrifício, seus sacramentos e suas orações litúrgicas. 2. Um observador perspicaz irá além. Ele reconhecerá a qualidade dos valores que marcam a Igreja Católica. Ele talvez chegue ao ponto de discernir em sua constância, em sua unidade e universalidade, em sua santidade, um conjunto de características extraordinárias, de certa forma milagrosas. “‘Quando olhamos para trás e para a frente ao longo dos séculos’, « continua ele, ‘quando vemos como a instituição do Papado sobreviveu a todas as instituições da Europa, como viu todos os Estados surgirem e perecerem, como, na infinita metamorfose das coisas humanas, somente ela manteve invariavelmente o mesmo espírito, deveríamos nos surpreender se muitos homens a consideram como a rocha cuja cabeça inamovível que se ergue acima das ondas agitadas, ao longo do curso dos séculos?’.” 3 Henri Bergson chegou perto de uma intuição semelhante quando, depois de estudar os místicos de várias religiões, concluiu que “nem na Grécia nem na Índia antiga havia um misticismo completo… O misticismo completo é, com efeito, os dos grandes místicos