Preparar com Maria a graça do Batismo no Espírito

Neste mês de maio, tradicionalmente chamado “mês de Maria”, pensamos na relação particular e original que a Virgem Maria teve com o Espírito Santo. Desde as origens da Igreja, é interessante observar o que as correntes teológicas e os diversos magistérios sublinharam a este respeito. Como não remontar aos tempos que prepararam a vinda a este mundo da pequena Myriam de Jerusalém? Segundo uma antiga tradição que remonta ao século V, a casa de Joaquim e Ana, pais de Myriam, situava-se no local da cripta da igreja de Santa Ana, na antiga cidade de Jerusalém. No entanto, os escritos do Novo Testamento nada revelam sobre o seu nascimento.

Temos, portanto, que procurar fora das fontes bíblicas, como os evangelhos apócrifos, tendo em conta que estes textos, como o “Protoevangelho de Tiago”, escrito no século II, não têm qualquer legitimidade em termos das Escrituras canônicas nem da fé doutrinal da Igreja. No dia 8 de setembro, os católicos e os ortodoxos celebram o nascimento da Virgem Maria. Na tradição católica, a Imaculada Conceição é celebrada nove meses antes da Natividade da Virgem, que é celebrada todos os anos a 8 de setembro. No Novo Testamento, a Virgem é apresentada como “cheia de graça” (cf. Lc 1,28). Isto significa que ela foi inteiramente preservada do pecado original, de modo único, desde o momento da sua concepção. Dito de outro modo, Maria recebeu na sua pessoa um Pentecostes total e completo do Espírito de Deus. E isto desde o momento da sua concepção no seio de sua mãe Ana. É o que o Arcanjo Gabriel veio anunciarlhe e confirmar da parte de Deus na Anunciação do Senhor (cf. Lc 1,26-38).

Maria, a primeira a ser cheia das graças do Espírito Santo

Transmitida muito cedo por alguns Padres da Igreja, rejeitada por outros, a declaração de fé na “Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria” foi definitivamente promulgada no século XIX pelo Papa Pio IX (1792-1878). A sua bula “Ineffabilis Deus”, publicada a 8 de dezembro de 1854, proclamou a “definição dogmática da Imaculada Conceição da Virgem Maria”, que devia ser dada a conhecer a todos os fiéis da Igreja universal. Esta doutrina da Imaculada Conceição da Santíssima Virgem foi sempre defendida pela Igreja, tanto no Oriente como no Ocidente. Mas a Igreja, através do seu ensinamento e da sua sabedoria, trouxe-a cada vez mais à luz e finalmente definiu-a. Foi por meio deste documento, “Ineffabilis Deus”, do Papa Pio IX, que houve a proclamação dogmática da Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria, que vamos citar, para melhor compreendermos esta definição e este princípio de fé da Igreja: “Por tal motivo, ao explicar as palavras com que, desde as origens do mundo, Deus anunciou os remédios preparados pela Sua misericórdia para a regeneração dos homens, confundiu a audácia da serpente enganadora e reergueu admiravelmente as esperanças do gênero humano, dizendo:‘Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela’, eles ensinaram que, com esta divina profecia, foi clara e abertamente indicado o misericordiosíssimo Redentor do gênero humano, isto é, o Filho Unigênito de Deus, Jesus Cristo; foi designada sua beatíssima Mãe, a Virgem Maria; e, ao mesmo tempo, foi nitidamente expressa a inimizade de um e de outra contra o demônio.” 1

Para além disso, o documento lê todos os sinais e acontecimentos bíblicos, prefigurando e preparando o plano divino, no qual a Igreja reconhece os traços constitutivos deste dogma da Imaculada Conceição da Virgem: “Deste nobre e singular triunfo  da Virgem, da sua excelentíssima inocência, pureza e santidade, da sua imunidade do pecado original, e da inefável abundância e grandeza de todas as suas graças, virtudes e privilégios, viram os mesmos Padres uma figura na arca de Noé (…) na escada que Jacó (…) na sarça que, embora vista por Moisés arder no lugar santo (cf. Ex 3, 2) (…) naquela torre inexpugnável, posta defronte do inimigo (cf. Ct 4,4) (…) naquela resplandecente cidade de Deus (cf. Sl 86,1) (…) naquele augusto templo de Deus que, refulgente dos divinos esplendores, está cheio da glória do Senhor (cf. Is 6,1- 4) (…) em todas aquelas outras inúmeras figuras em que os Padres divisaram (e lhe transmitiram o ensinamento) o claro prenúncio da excelsa dignidade da Mãe de Deus, da sua ilibada inocência e da suasantidade, nunca sujeita a qualquer mancha.” 2  Os Padres da Igreja e os escritores eclesiásticosmeditaram sobre a Sagrada Escritura e, em particular, sobre as palavras que o Anjo Gabriel dirigiu à Santíssima Virgem quando, anunciando-lhe que teria a honra de ser a Mãe de Deus, chamou-a “cheia de graça” (Lc 1, 28).

Depois, quando os mesmos Padres e os escritores eclesiásticos consideravam que, ao dar à beatíssima Virgem o anúncio da altíssima dignidade de Mãe de Deus, por ordem do próprio Deus, o Anjo Gabriel lhe chamara cheia de graça, ensinaram que com esta singular e solene saudação, até então nuncaouvida, se demonstrava que a  Mãe de Deus era a sede de todas as graças de Deus, era exornada de todos os carismas do Espírito Divino; antes, era um tesouro quase infinito e um abismo inexaurível dos mesmos carismas; de modo que, ela não somente nunca esteve sujeita à maldição, mas foi também, juntamente com seu Filho, participante de perpétua bênção: digna de, por Isabel movida pelo Espírito de Deus, ser dita:Bendita és entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre’ (Lc 1, 42)”. 3

Segundo os Padres,continua o documento de Pio IX: “A Virgem Mãe de Deus não devia ser concebida por Ana antes que a graça afirmasse o seu poder: porquanto devia ser concebida aquela primogênita da qual seria depois concebido o primogênito de toda criatura. Professaram que a carne da Virgem, se bem derivada de Adão, não lhe contraiu as manchas; que, por isto, a beatíssima Virgem foi aquele tabernáculo construído por Deus, formado pelo Espírito Santo (…).” 4 Por fim, é necessárioler este documento para perceber o imenso trabalho teológico efetuado ao longo do tempo para verificar, aprofundar e chegar à declaração deste dogma de fé. De fato, desde a antiguidade, bispos, eclesiásticos e Ordens Regulares pediram à Sé Apostólica quedefinisse como um dogma da fé católica a Imaculada Conceição da Santíssima Mãe de Deus.  Este era o objeto da piedade, do amor e da veneração dos povos fiéis e da observância dos pastores da Igreja. Este pedido foi reiterado e apresentado pelo Papa Gregório XVI (1765-1846), tendo o Papa Pio IX instituído uma Congregação especial, composta por cardeais e teólogos, para examinar o pedido. Pio IX enviou então uma encíclica aos bispos do mundo, datada de 2 de fevereiro de 1849, pedindolhes que dessem a conhecer por escrito a devoção e a piedade dos seus fiéis para com a Imaculada Conceição da Mãe de Deus. Foi então convocado um Consistório, reunindo todos os cardeais da Igreja. O documento “Ineffabilis Deus” prossegue: “Por isto, depois de na humildade e no jejum, dirigirmos sem interrupção as nossas preces particulares, e as públicas da Igreja, a Deus Pai, por meio de seu Filho, a fim de que se dignasse de dirigir e sustentar a Nossa mente com a virtude do Espírito Santo; depois de implorarmos com gemidos o Espírito consolador (…).” 5

Foi depois de todas estas verificações que o dogma foi proclamado nos seguintes termos: “Por sua inspiração, em honra da santa e indivisível Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a nossa, declaramos, pronunciamos e definimos: A doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.” 6 Notemos que os dogmas da Igreja nascem muitas vezes da devoção dos fiéis e da inteligência da fé. São marcos úteis, plantados no caminho do pensamento teológico. Através das fórmulas dogmáticas, a Igreja e a teologia, neste caso, a teologia mariana, dispõem de pontos de referência para a compreensão da fé, adequados a cada momento da história. Mesmo quando um dogma diz respeito à Virgem Maria, ele é sempre entendido em referência a Cristo, segundo a sua natureza divina e humana. Este novo dogma de fé da Igreja, que declara a preparação do Espírito Santo na vida e no coração da Virgem Maria, destina-se a todos os filhos da Igreja, para que continuem a honrar, a invocar e a rezar à Santíssima Mãe de Deus, a Virgem Maria, concebida sem pecado original ; e para que “com toda confiança recorram a esta dulcíssima Mãe de misericórdia e de graça, em todos os perigos, em todas as angústias, em todas as necessidades, em todas as dúvidas e em todas as apreensões” 7.

Três anos após a proclamação do dogma, uma jovem adolescente de Lourdes, Bernadette Soubirous (1844-1879), testemunhou durante cinco meses, entre11 de fevereiro e 16 de julho de 1858, dezoito aparições da Virgem Maria. Diz ter visto “uma bela senhora” na pequena gruta de Massabielle, em Lourdes. No dia 25 de março de 1858, décima sexta aparição, Bernadette pede à “Senhora” que diga o seu nome. A “Senhora” respondeu no dialeto local do Béarn: “Soy era Immaculada Councepciou”, que significa “Eu sou a Imaculada Conceição”. Sem compreender bem o significado destas palavras, Bernadette foi imediatamente ter com o pároco para lhe dizer o nome da “Senhora”. Ele compreendeu que era a Mãe de Deus que tinha aparecido na gruta. Mais tarde, o Bispo de Tarbes, Mons. BS. Laurence (1790- 1870), reconhecerá esta revelação.

Deus preparou de antemão as boas obras que devemos realizar

A antífona de abertura da Memória do Imaculado Coração de Maria diz: “Senhor nosso Deus, que preparastes no coração da Virgem santa Maria uma digna morada do Espírito Santo, transformai-nos, por sua intercessão, em templos da vossa glória” 8. O teólogo jesuíta Bernard Sesboüé explica que “a Imaculada Conceição de Maria” significa que Maria foi redimida do pecado original da mesma forma que qualquer ser humano, mas de uma maneira diferente, “pela preservação e não pela purificação” 9. Através deste dogma, a Igreja católica exprime, “por esta antecipação em Maria, a vocação de todo o ser humano à santidade perfeita” 10. Assim, cada um de nós pode apropriar-se deste versículo de Paulo, que — na minha opinião — é um “versículo mariano” nas Cartas do Apóstolo: “Pois somos criaturas Dele, criados em Cristo Jesus para as boas obras que Deus já antes tinha preparado para que nelas andássemos.” (Ef 2,10) De fato, podemos dizer com Paulo que cada um de nós foi “preparado de antemão”, pela graça do Espírito de Deus, para uma determinada missão que Deus espera e deseja de cada um de nós. E como não reconhecer a distância e a diferença entre cada um de nós e a Santíssima Virgem e, ao mesmo tempo, a sua especial proximidade e ajuda na comunhão dos santos?
A Virgem Maria era única e eminente: “cheia de graças” (Lc 1, 28), desde antes da fundação do mundo e antes da sua própria concepção. Nós ainda não chegamos a esta “plenitude da graça”. Paulo fala desta plenitude como uma realidade futura e escatológica: “para que sejais plenificados com toda a plenitude de Deus” (Ef 3,19). A Virgem Maria foi reconhecida por Isabel como “bem-aventurada”: “Feliz aquela que creu, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido!” (Lc 1,45).A própria Maria reconhece, por fim, no seu Magnificat: “Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada” (Lc 1,48) Nenhum  e nós chegou a esse ponto. É por issoque a Santíssima Virgem de Israel, como “nossa Mãe”, não só nos precede na peregrinação da fé, mas também  os ajuda, aconsel ha e intercede para que aceitemos prepara-nos mais plenamente e todos os anos para o Batismo no Espírio o seu Filho.

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