O Espírito de Cristo, alma da santidade da Igreja
Todo ano, o primeiro dia desse mês permite que celebremos as virtudes de todos os Santos conhecidos e desconhecidos da Igreja. Mas quem são os Santos aos nossos olhos, como nós os vemos? Nós os vemos como heróis, como profetas ou como pessoas de outro mundo? A Igreja Católica reconhece três níveis de santidade: Os “veneráveis” (primeiro nível), reconhecidos pela “heroicidade de suas virtudes cristãs”, embora não lhes seja prestado culto; Os“beatos” (segundo nível), cuja veneração pode ser limitada a uma região, um país ou uma ordem religiosa; E os “santos”, “canonizáveis”, (terceiro nível), cuja veneração é estendida a toda a Igreja Católica. No entanto, a santidade não deve ser considerada nem um símbolo de “pequenez” nem uma distinção, porque se a Igreja é santa, na sua Pessoa, não o é porventura, através do Seu Senhor-Esposo que a habita? São Francisco de Sales, o grande Pastor e Doutor da Igreja, escreveu sobre esse assunto a uma de suas almas acompanhadas:
“Nosso Senhor, tendo dito que, de todos os nascidos de mulher, ninguém era maior do que João (Lc 7,28), acrescenta: Mas aquele que é o menor no reino dos céus, isto é, na Igreja, é maior do que ele (Lc 7,28). Ó minha querida filha, é verdade, pois o menor cristão comungante é maior do que São João: e o que significa sermos tão pequenos em santidade?” 1
O próprio Jesus deu o significado do Reino dos Céus, reconhecendo a Igreja como “um pequeno rebanho” do Senhor: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Vosso Pai dar-vos o Reino! “ (Lc 12, 32) O pequeno rebanho é a Igreja, sempre exilada na terra, mas que traz em seu coração a graça e a verdade recebidas de Cristo, Seu Senhor, é o Templo de Deus e o Espírito do Senhor habita nela. O teólogo do Concílio Vaticano II, o cardeal suíço Charles Journet, definiu a situação da Igreja peregrina nos seguintes termos:
“A Igreja já é o Reino, mas em um estado peregrino e crucificado. Mas ela não precisa temer. Um dia, o sol da vida eterna, escondido dentro dela como se estivesse em uma névoa, irromperá plenamente para dissipar suas provações e transfigurar seu invólucro carnal. O Reino doloroso se tornará glorioso. Não temam, pequeno rebanho, pois que possuis a vida eterna na tristeza, mas, muito em breve, a possuirás na glória (…) Por um lado, o Reino já está na terra e, por outro, a Igreja já está no céu. Ao colocar ‘as chaves do reino dos céus’ nas mãos de Pedro (Mt 16, 19), Jesus quer dizer claramente que esse reino, em seu estado atual, não pode prescindir de uma hierarquia.” 2
“Porque não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da cidade que está para vir” (Hb 13,14) A Igreja é uma realidade no mundo, está aberta a todos, mas nem todos a conhecem. De fato, podemos olhá-la de três ângulos diferentes. É somente no terceiro olhar que ela se revela. Como houve três olhares sobre Jesus, assim também existem três olhares sobre a Igreja. Na época em que Jesus viveu na Terra, entre a população da Palestina, houve três maneiras possíveis de olhar para Ele.
1. Muitos conheceram-No e viram-No apenas como um homem igual a todos os outros. Passaram por Ele sem perceberem de quem se tratava. “Esse não é Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos?” (Jo, 6. 42) Eles podem ter ficado surpresos com Sua pregação por um tempo, mas acabaram classificando-o como um homem iluminado ou um revolucionário político. Nenhum deles foi além da aparência das coisas.
2. Outros tiveram uma visão mais penetrante de Cristo. Eles conseguiram discernir qualidades excepcionais Nele. Viram, por parte desse homem, em Seus ensinamentos, uma sabedoria surpreendente por parte desse homem, e na santidade de Sua vida, perceberam algo único. Viram em Suas ações e em Suas obras, o sinal de um poder que não é o de um homem, e pensaram que se tratava de um profeta.
“‘Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?’ Disseram: ‘Uns afirmam que é João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou um dos profetas’.” (Mt 16, 13-14) 3. Outros olharam para Jesus com fé sobrenatural. Eles acreditavam no mistério do Verbo feito carne. A seus olhos, o milagre de sua vida foi explicado. Somente eles conheceram verdadeiramente Cristo. Então, o Apóstolo Tomé foi capaz de confessar: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20, 28).
Os três olhares sobre a Igreja:
1. Há o olhar do observador superficial, do estatístico, do historiador das religiões, quando se limita a elaborar uma obra descritiva. A Igreja então, é apresentada apenas como mais uma sociedade religiosa, entre tantas outras. É bastante fácil, no primeiro estágio, isolá-la do grupo de outras religiões cristãs ou não cristãs, descrever seu tipo de governo e suas estruturas, seu ensino e suas práticas religiosas, seu sacrifício, seus sacramentos e suas orações litúrgicas.
2. Um observador perspicaz irá além. Ele reconhecerá a qualidade dos valores que marcam a Igreja Católica. Ele talvez chegue ao ponto de discernir em sua constância, em sua unidade e universalidade, em sua santidade, um conjunto de características extraordinárias, de certa forma milagrosas. “‘Quando olhamos para trás e para a frente ao longo dos séculos’, « continua ele, ‘quando vemos como a instituição do Papado sobreviveu a todas as instituições da Europa, como viu todos os Estados surgirem e perecerem, como, na infinita metamorfose das coisas humanas, somente ela manteve invariavelmente o mesmo espírito, deveríamos nos surpreender se muitos homens a consideram como a rocha cuja cabeça inamovível que se ergue acima das ondas agitadas, ao longo do curso dos séculos?’.” 3 Henri Bergson chegou perto de uma intuição semelhante quando, depois de estudar os místicos de várias religiões, concluiu que “nem na Grécia nem na Índia antiga havia um misticismo completo… O misticismo completo é, com efeito, os dos grandes místicos cristãos. (…) Pensemos no que realizaram, no domínio da ação, um São Paulo, uma Santa Teresa, uma Santa Catarina de Sena, um São Francisco, uma Joana D’Arc e tantos outros” 4.
3. Finalmente, há uma terceira maneira de ver a Igreja: o olhar da fé. A Igreja aparece então em seu mistério, em sua realidade profunda, como o Corpo de Cristo, habitado pelo Espírito Santo, que a dirige e habita nela como Seu Anfitrião. A Igreja, mistério da fé, é o que a assembleia dos cristãos proclama solenemente a cada domingo: “Creio na Igreja, Una, Santa, Católica e Apostólica”. À luz da fé, explica-se o caráter milagroso, exteriormente constatável, dessa sociedade religiosa e ilumina-se o paradoxo vivo que ela nunca deixa de ser para o espanto do mundo.
O Cardeal Journet deu-nos, o que ele mesmo recebeu, inspirado — entre outros — por Santa Catarina de Sena e com a visão paulina da Igreja, Esposa, Corpo de Cristo, Santa, sem mancha, Imaculada. Como podemos deixar de estabelecer a relação entre os diferentes olhares sobre a Igreja e as diferentes reações humanas, em relação a Jesus, na Sua época?
A Igreja: uma realidade misteriosa e visível
Misteriosa, por causa da vida que a anima, que é inteiramente divina. Visível, por causa da irradiação à sua volta, dessa vida e dos meios pelos quais, ela é anunciada e comunicada aos homens. A Igreja é “misteriosa” porque nasceu do Alto, pela graça do Seu Esposo que se ofereceu por ela na Cruz: “Se a Trindade deseja fazer uma morada viva para si mesma no meio de suas criaturas, se o Espírito Santo deseja tornar-se o Princípio e, ainda mais, o Hóspede da Igreja, será necessário que os homens chamados para servir a destinos tão elevados, sejam revestidos de dons espirituais que serão como um derramamento das riquezas do sacerdócio, da santidade e da realeza, depositadas para eles na santa humanidade de Cristo, Cabeça da Igreja.” 5 A Igreja é “visível” em sua humanidade: “Os seres dos quais a Igreja é composta durante sua peregrinação terrena não são, de fato, nem meros corpos, nem anjos. São seres humanos, que ela compreende como tais, na medida em que são dotados de corpo e alma. Ela não os dissocia, de antemão, a fim de reter apenas a parte espiritual para Deus e rejeitar sua preocupação com a parte corpórea. Assim como a sociedade civil pode reclamar a pessoa individual integral, tendo em vista, é verdade, apenas o desenvolvimento da vida temporal; a Igreja pode reclamar a pessoa individual integral, tendo em vista, por sua vez, a transmissão e o crescimento da vida divina.” 6
A Igreja também é visível nos poderes hierárquicos que Cristo recebeu para conceder à humanidade, os mistérios escondidos de sua graça e verdade. No ensino da Palavra de Deus, na celebração da Liturgia inaugurada por Cristo e continuada pelo sacrifício da Missa, veiculando até nós a Redenção de Cristo, na dispensação e recepção dos sacramentos e, por fim, nos ofícios litúrgicos e nas orações públicas.
A Igreja, misteriosa e visível, Espiritualidade da Transfiguração
“O autêntico espiritualismo é um espiritualismo da transfiguração da matéria pelo espírito, que crê que o espírito, isto é, sobretudo o Espírito Santo e os dons espirituais da graça, têm como fim, segundo o plano atual da Providência, não reduzir a nada as realidades humanas, as coisas corpóreas e até mesmo o universo material, mas, ao contrário, penetrá-los, para começar a partir daqui a iluminá-los e transformá-los. Desse ponto de vista, as grandes revelações cristãs relativas aos mistérios do Verbo encarnado, à visibilidade da Igreja que é o Seu corpo, aos sacramentos que provocam instrumentalmente a graça, um ensinamento vivo, um eco autorizado do ensinamento de Cristo, a ressurreição de Cristo, a assunção da Virgem, estão estreitamente relacionados e se esclarecem mutuamente.” 7
Por que a encarnação foi tão tardia, por que Cristo veio tão tarde?
“Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o Seu Filho, nascido de mulher.” (Gl 4, 4) É a época em que o Filho de Deus está finalmente presente entre os homens. É o tempo do pleno advento da religião da Encarnação, que é perfeitamente realizada primeiro em Cristo, que é a Cabeça, antes de se comunicar a todo o Seu Corpo, que será a Igreja. Se a vinda de Cristo parece tardar, não devemos censurar essa demora de Deus como lentidão de Sua parte, mas, ao contrário, reconhecer com Paulo “a riqueza da Sua bondade, paciência e longanimidade” (Rm 2, 4). “Dessa forma, duas grandes efusões divinas complementares, duas grandes ‘missões visíveis’, marcarão a perfeita eclosão da religião da Encarnação: a missão visível do dia da Anunciação, referente a Cristo, que é a Cabeça, e a missão visível do dia de Pentecostes, referente à Igreja, que é Corpo.” 8 Desde o primeiro momento da Encarnação, a graça está contida em Cristo como seu princípio, e é do Seu Coração que ela começará a derramar-se imediatamente.
“No entanto, a época da efusão plena da graça, a época em que todas as riquezas espirituais contidas em Cristo serão derramadas sobre a Igreja e sobre o mundo, não começará senão depois da Paixão, quando o próprio Cristo anunciará no que lhe diz respeito que ‘tudo está consumado’ (Jo 19, 30), quando a água e o sangue sairão de Seu lado aberto (cf. Jo 19, 34), quando Ele será pessoalmente glorificado. Então, o Espírito poderá ser enviado para formar, em seu estado pleno, a Igreja que, sendo o Corpo de Cristo, virá para assumir o Seu papel no mundo.” 9 O Espírito Santo virá então, em Pentecostes, não para abolir a época do Filho, mas, ao contrário, para estender seus efeitos ao mundo inteiro. Finalmente, Cristo, habitando em nosso meio, só pôde tocar visivelmente um pequeno número de homens; mas deixando esta Terra, Ele pôde, tocar fisicamente toda a humanidade, através de uma hierarquia por Ele enviada, no tempo e do espaço.
A época do Espírito Santo é a época da Eucaristia e da Instituição
A partir dos privilégios de Cristo Rei, Profeta e Sacerdote, e em Sua mediação, a Igreja, redimida pela Paixão de Cristo, recebeu os sacramentos e o poder institucional como os novos mistérios que marcam a chegada da época do Espírito Santo: “Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue permanece em Mim, e Eu nele. Assim como o Pai, que vive, Me enviou e Eu vivo pelo Pai, também aquele que de Mim se alimenta viverá por Mim.” (Jo 6, 56-57) Toda a humanidade é chamada por Cristo e convocada a comparecer às Suas bodas. É respondendo ao convite para as bodas que a humanidade torna-se verdadeiramente esposa tornando-se Igreja. Pois, “Deus não enviou o Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3, 17). A partir desse versículo, Santo Agostinho especifica: “A Igreja é o mundo reconciliado” 10. E Pedro declara: “Pois sabeis que não foi com coisas perecíveis, isto é, com prata ou com ouro, que fostes resgatados da vida fútil que herdastes dos vossos pais, mas pelo sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeitos e sem mácula.” (1 Pd 1, 18-19) O Cardeal Journet escreve: “Assim, à volta de toda a oração, adoração e oferenda de Cristo é reunida toda a oração, adoração e oferenda da Igreja… Por consequência, deverá dizer-se que toda a Igreja, juntamente com Cristo, forma uma única pessoa mística, adoradora, oferente e suplicante.” 11 É Pedro, novamente, que nos dá a sua definição de graça: “O Seu divino poder nos deu todas as condições necessárias para a vida e para a piedade, mediante o conhecimento Daquele que nos chamou pela Sua própria glória e virtude. Por elas nos foram dadas as preciosas e grandíssimas promessas, a fim de que assim vos tornásseis participantes da natureza divina, depois de vos libertardes da corrupção que prevalece no mundo como resultado da concupiscência.” (2Pd 1, 3- 4)
O Cardeal Journet explica o que é essa graça, concedida agora através da Igreja e por meio dela: “A graça da Igreja é, portanto, um dom ainda mais maravilhoso do que o de nossos primeiros pais. Entretanto, enquanto a graça da inocência era imediatamente transfiguradora, no sentido de que removia as provações, a graça de Jesus transfigurará todas as coisas somente no futuro. Em outras palavras, a graça d’Aquele que quis desposar a dolorosa condição do homem, não é dada principalmente para eliminar de nossa vida presente, o sofrimento e a morte, os conflitos internos da concupiscência, as contusões do mundo externo; é dada, para nos permitir triunfar sobre essas provações, na noite da fé e do amor, para iluminá-las e santificá-las”. 12
O papel do Espírito Santo na Igreja
O papel “escondido” do Espírito na Igreja é comparado, tanto por Santo Agostinho como por Santo Tomás, ao da alma no corpo: “Como o homem tem uma só alma e um só corpo, composto de vários membros, assim a Igreja Católica é um só corpo, composto de vários membros: a alma que dá vida a este corpo é o Espírito Santo.” 13 O Cardeal Journet ressalta que, se a fonte da vida da Igreja está na Santíssima Trindade, então é pela via do amor que o Espírito Santo “procede do Pai e do Filho como de um único princípio e, por sua vez, irrompe repentinamente no tempo, no dia de Pentecostes, para culminar, através do mistério desta vez de uma união de graça e inabitação, na Igreja, que é o Corpo (…) A Igreja é, portanto, como um derramamento de vida trinitária no seio do tempo” 14.
A seguir, o Cardeal apresenta duas missões do Espírito Santo na história humana: uma primeira missão “visível”, que é a missão do Filho, a Encarnação; e uma segunda missão “invisível” do Espírito, na Igreja. As palavras dos Padres da Igreja são particularmente fortes sobre esse assunto, por exemplo, as de Santo
Irineu: “Onde está a Igreja, aí está o Espírito de Deus, e onde está o Espírito de Deus, aí está a Igreja e toda graça; e o Espírito é a verdade.” 15 Como diz São João Crisóstomo: “Se o Espírito não estivesse lá, a Igreja não existiria mais; mas se a Igreja existe, é claro que o Espírito está lá.” 16 Quatro modos de agir do Espírito Santo na Igreja O Cardeal Journet identifica quatro modos pelos quais o Espírito Santo age:
1) “O Espírito Santo prepara a Igreja de antemão”: Os Atos dos Apóstolos contam como o Senhor abriu o coração de Lídia, a comerciante de púrpura de Tiatira, às palavras de Paulo (cf. At 16, 14). Da mesma forma, como o mesmo Espírito desceu sobre Cornélio e sua família (cf. At 10, 44).
“O Espírito Santo passa, de uma certa forma, para além das fronteiras da Sua Igreja (Igreja em ato consumado) para despertar aqueles que dormem na sombra da morte e, se estes aceitarem as oferendas de Seu Amor, inaugurará entre eles, por assim dizer, como um esboço, uma Igreja que já é Sua (Igreja em ato iniciado)”. 17
2) “O Espírito Santo ilumina a Igreja externamente, por meio dos poderes de jurisdição confiados aos Apóstolos”:
“Ele dirá tudo o que tiver ouvido e Vos anunciará as coisas futuras. Ele Me glorificará porque receberá do que é Meu e vos anunciará. Tudo o que o Pai tem é Meu. Por isso vos disse: Ele receberá do que é Meu e vos anunciará” (Jo 16, 13-15). E ainda: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós” (At 15, 28).
3) “O Espírito Santo penetra nas almas através dos sacramentos”:
Ele desce sobre todos aqueles sobre os quais os apóstolos impõem as mãos (cf. At 8, 17; 19, 6). É Ele que, na Eucaristia, comunica o Corpo vivificante de Cristo (cf. Jo 6, 63). É por meio Dele que os pecados são perdoados (cf. Jo 20, 22-23).
4) “O Espírito Santo opera diretamente nos corações”: “No entanto, se o Espírito Santo se serve dos sacramentos para derramar, com superabundância, Seus dons mais preciosos e para dar a graça sacramental para além de qualquer medida, de modo que aquele que pede dois, obtém quatro e aquele que pede quatro, obtém oito, — o Espírito Santo, uma vez recebidos os sacramentos, não deixa de agir diretamente nos corações. Pelo contrário, Ele entra neles com mais liberdade e generosidade ainda, do que antes.” 18
O papel do Espírito na alma: ela torna-se a morada da Trindade
“Se alguém Me ama, guardará Minha Palavra e o Meu Pai o amará e a ele iremos e nele estabeleceremos morada.” (Jo 14, 23) “Onde dois ou três estiverem reunidos em Meu nome, ali estou Eu no meio deles.” (Mt 18, 20)
O Cardeal Journet explica: “No exato momento em que a alma possui a graça, ela se torna a morada da Trindade. E, no exato momento em que se torna a morada da Trindade, ela possui a graça… E se nos perguntarmos por que a verdadeira Igreja é, por excelência, a habitação do Espírito Santo, devemos responder que é segundo o grau de perfeição da caridade que convém apreciar o grau de intimidade da habitação do Espírito Santo. Na verdadeira Igreja, a caridade tem quatro características principais: é indefectível, é orientada, é suprema e é sacramental.” 19
A caridade da Igreja de Cristo é direcionada: “No sentido de que não é desviada de seu caminho, nem travada por erros. A revelação da Trindade, particularmente, é sempre pura dentro da Igreja, e esse reconhecimento explícito da Trindade é necessário para que a habitação atinja um certo grau de perfeição.” 20 A caridade da Igreja é suprema: “Se Cristo derramou Seu sangue por todos os homens, se Ele foi procurar as ovelhas mais abandonadas, tanto no Oriente como no Ocidente, foi para trazê-las ao rebanho do qual Pedro é o pastor. Por que Ele fez isso? Porque queria que esse fosse o lugar do maior amor, onde, com o Pai e o Espírito Santo, Ele viria para continuar em Seu Corpo coletivo, a habitação entre os homens que Ele inaugurou em Seu corpo individual no dia da Encarnação”. 21
Por fim, a caridade da Igreja de Cristo é sacramental:
“A graça e a caridade, quando passam pelo canal dos sacramentos, são ricas em virtudes que as fazem assemelhar-se de modo mais íntimo, à graça e à caridade de Cristo. Em virtude da graça sacramental, a Igreja se apresentará diante do Espírito Santo, como uma morada ‘conatural’, como uma morada amorosa que está constantemente e, de alguma forma, ininterruptamente consciente — sobretudo por causa da oração das ordens contemplativas — do Hóspede que ela abriga; como uma morada ‘perfeita’ que Ele pode usar para salvar o mundo e, por meio da qual, Ele pode exercer livremente Sua virtude purificadora, iluminadora e divinizadora.” 22
Santo Agostinho explica, em um de seus sermões de Pentecostes, que se o Espírito Santo dado nos tempos apostólicos era frequentemente acompanhado pelo dom de línguas, era para predizer que a Igreja logo falaria em todas as línguas e alcançaria todas as nações: “Querem ter o Espírito Santo? Ouçam, meus irmãos. O Espírito que dá vida a todo homem, é chamado de alma. Vejam o que a alma faz no corpo. Ela vivifica todos os membros: vê com os olhos, ouve com os ouvidos, cheira com as narinas, fala com a língua, trabalha com as mãos, anda com os pés. Ela está presente em todos os membros ao mesmo tempo, para lhes dar vida… As funções são diversas, a vida é comum. Assim é a Igreja de Deus: em alguns santos realiza milagres, em outros santos prega a verdade, em outros santos guarda a virgindade, em outros santos observa a modéstia conjugal, em alguns santos isso, em outros aquilo. Cada um tem seu próprio trabalho, mas todos têm vida em igual medida. E o que a alma é para o corpo do homem, o Espírito Santo é para o corpo de Cristo, que é a Igreja. O Espírito Santo faz em toda a Igreja o que a alma faz em todos os membros do corpo.” 23
E, para concluir, o Cardeal Journet especifica as maneiras pelas quais, no céu e na terra, “o Espírito é a alma da Igreja”. “No céu, por meio da transformação do conhecimento, realizada pela visão beatífica; aqui na terra, por meio da transformação do amor, realizada pela caridade.” 24 No céu, os eleitos serão “tomados” pela visão beatífica, e essa será a visão do conhecimento descrita pelo Apóstolo Paulo: “Eles conhecerão como eles mesmos são conhecidos” (cf. 1 Cor 13, 12) Que o Espírito de Santidade, que reconhecemos e celebramos na Festa de Todos os Santos, reavive nossos corações e corpos, lânguidos ou enfraquecidos, para que o Fogo da Vida e da Caridade do Cristo Vivo possa abrasar nossas almas.
FONTES:
1 Cf. São Francisco de Sales, Carta n. 2020.
2 Cardeal Charles Journet, L’Église du Verbe Incarné, A Igreja do Verbo
Encarnado, capítulos II e III.
3 Cf. Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado.
4 Cf. Henri Bergson, Les deux sources de la morale et de la religion, As duas fontes
de moralidade e religião, Paris, 1932.
5 Cf. Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado.
6 Cf. Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado.
7 Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado.
8 Cf. Ibid.
9 Cf. Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado..
10 Santo Agostinho, Sermão 96, 7, 9.
11 Cf. Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado.
12 Cf. Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado..
13 Cf. Santo Tomás de Aquino, De Veritate, qu. 29, a. 4, ad 7.
14 Cf. Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado, cap. III, 1..
15 Cf. Santo Irineu de Lião, Adversus haereses, Job. III, cap. 24.
16 Cf. São João Crisóstomo De sancta Pentecoste, homilia I, n. 41.
17 Cf. Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado.
18 Cf. Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado, cap. III, 2.
19 Cf. Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado cap. III, 3.
20 Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado cap. III, 3.
21 Ibid.
22 Cardeal Charles Journet, A Igreja do Verbo Encarnado cap. III, 3..
23 Cf. Santo Agostinho, Sermão 267, nº 4