O Rosário, uma escola de oração com Maria
O Rosário 1 é uma oração que foi encorajada pelo Magistério de numerosos Papas, especialmente desde o Papa Leão XIII (1810-1903) e por muitos Santos e testemunhas ao longo da história da Igreja (entre eles: São Luís Maria Grignion de Montfort, São Padre Pio de Pietrelcina e o Beato Bartolo Longo). É uma oração de grande simplicidade e, ao mesmo tempo, de grande profundidade evangélica. Como o próprio Papa São João Paulo II salienta, ele próprio praticou essa oração desde a mais tenra idade, dando a ela um papel importante em sua vida espiritual. “O Rosário, de fato, ainda que caracterizado pela sua fisionomia mariana, no seu âmago é oração cristológica.” 2 Através dessa forma de oração, cada comunidade se coloca na escola de Maria: “para deixar-se introduzir na contemplação da beleza do rosto de Cristo e na experiência da profundidade do Seu Amor” 3. “Recitar o Rosário nada mais é senão contemplar com Maria o rosto de Cristo.” 4 Entre todos os mistérios da vida de Cristo, o número 150 (que corresponde ao número de Salmos) foi escolhido como a estrutura original para essa oração.
Em 2002, quando o Papa São João Paulo II publicou sua Exortação Apostólica sobre o Rosário, o Papa acrescentou um novo mistério a essa oração tradicional — o “Mistério Luminoso” — permitindo-nos levar em conta “os mistérios da vida pública de Cristo entre o Batismo e a Paixão” 5. Deve-se ressaltar que esses ciclos de meditações propostas não são exaustivos, mas têm o objetivo de nos lembrar do conhecimento essencial de Cristo, extraído da fonte pura do Evangelho. Desta forma, o Mistério Luminoso introduz e inclui a meditação em cinco momentos significativos da vida de Cristo: Seu Batismo no Jordão, Sua autorrevelação nas bodas de Caná, Seu anúncio do Reino de Deus com o convite à conversão, Sua Transfiguração e, finalmente, Sua instituição da Eucaristia, a expressão sacramental do Mistério Pascal. A oração do rosário tem, portanto, uma orientação cristológica, inspirada no Evangelho e claramente centrada no mistério da Encarnação redentora.
O Rosário: oração contemplativa sobre os mistérios de Cristo, com Maria
Em sua Exortação Apostólica Rosarium Virginis Mariae, o Papa João Paulo II afirma que a oração do Rosário deve ser considerada uma forma de “oração contemplativa” 6. “O Rosário situa-se na melhor e mais garantida tradição da contemplação cristã. Desenvolvido no Ocidente, é oração tipicamente meditativa e corresponde, de certo modo, à ‘oração do coração’ ou ‘oração de Jesus’ germinada no húmus do Oriente cristão.” 7
A oração repetitiva do Rosário é, antes de tudo,“contemplar Cristo com a Virgem Maria”. “Ele foi transfigurado diante deles. Seu rosto resplandeceu como o sol e as Suas vestes tornaram-se alvas como a luz.” (Mt 17, 2) “A contemplação de Cristo tem em Maria o seu modelo insuperável. O rosto do Filho pertence-lhe sob um título especial. Foi no seu ventre que Se plasmou, recebendo d’Ela também uma semelhança humana que evoca uma intimidade espiritual certamente ainda maior. À contemplação do rosto de Cristo, ninguém se dedicou com a mesma assiduidade de Maria.” 8 “Maria vive com os olhos fixos em Cristo e guarda cada Palavra Sua: ‘Conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração’ (Lc 2, 19; cf. 2, 51). As recordações de Jesus, estampadas na sua alma, acompanharam-na em cada circunstância, levando-a a percorrer novamente com o pensamento os vários momentos da sua vida junto com o Filho. Foram estas recordações que constituíram, de certo modo, o ‘rosário’ que Ela mesma recitou constantemente nos dias da sua vida terrena.” 9 “Por sua natureza, a recitação do Rosário requer um ritmo tranquilo e uma certa demora a pensar, que favoreçam, naquele que ora, a meditação dos mistérios da vida do Senhor, vistos através do coração daquela que mais de perto esteve em com o mesmo Senhor, e que abram o acesso às Suas insondáveis riquezas.” 10
Podemos perguntar-nos como rezar o rosário de uma maneira contemplativa. A Exortação do Papa São João Paulo II cita o Papa Paulo VI, que dá este conselho prático: “Sem contemplação, o Rosário é um corpo sem alma e a sua recitação corre o perigo de tornar-se uma repetição mecânica de fórmulas e de vir a achar-se em contradição com a advertência de Jesus: ‘Na oração não sejais palavrosos como os gentios, que imaginam que hão de ser ouvidos graças à sua verbosidade’ (Mt 6, 7).” 11 Essa oração contemplativa apela à memória no sentido bíblico: fazer memória dos acontecimentos da salvação “em atitude de fé e de amor, significa abrir-se à graça que Cristo nos obteve com os Seus mistérios de vida, morte e ressurreição” 12. Para o Papa São João Paulo II, essa escola de oração com Maria é uma escola para “aprender Cristo de Maria”, “configurar-se a Cristo com Maria” e “anunciar Cristo com Maria” 13.
O Rosário: uma súplica mediante a oração de Maria
O Papa João Paulo II destacou as duas principais intenções de oração da Igreja no final do século XX, que ainda são recentes, para serem confiadas à oração do Rosário: a oração pela Paz e a oração pelas Famílias. “Não se pode recitar o Rosário sem sentir-se chamado a um preciso compromisso de serviço à paz, especialmente na terra de Jesus, tão atormentada ainda, e tão querida ao coração cristão. Análoga urgência de empenho e de oração surge de outra realidade crítica da nossa época, a da família, célula da sociedade, cada vez mais ameaçada por forças desagregadoras a nível ideológico e prático.” 14 “Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto.” (Mt 7,7)
O fundamento dessa oração do Rosário é “a bondade do Pai, mas também a mediação junto d’Ele por parte do mesmo Cristo (cf. 1 Jo 2, 1) e a ação do Espírito Santo, que ‘intercede por nós’ conforme os desígnios de Deus (cf. Rm 8, 26-27). De fato, nós ‘não sabemos o que devemos pedir em nossas orações’ (Rm 8, 26) e, às vezes, (…) ‘porque pedimos mal’ (Tg 4, 3)” 15. “O Rosário é ao mesmo tempo meditação e súplica. A imploração insistente da Mãe de Deus apoia-se na confiança de que a sua materna intercessão tudo pode no coração do Filho. Ela é ‘omnipotente por graça’, como, com expressão audaz a ser bem entendida, dizia o Beato Bartolo Longo.” 16
São Domingos (1170-1221) recebeu o dom do Rosário da própria Virgem Maria!
A frase latina “Contemplata aliis tradere” significa “comunicar aos outros o fruto do que se contemplou”. que significa: “Comunicar aos outros o fruto do que se contemplou”. É uma divisa atribuída a São Domingos, que testemunha a dimensão contemplativa que queria dar à Ordem dos Pregadores. Segundo os teólogos dominicanos, Domingos recebeu do Espírito Santo o “dom da ciência”. Segundo Santo Tomás de Aquino, esse dom do Espírito, comunica às almas “o significado divino das coisas humanas”. Os historiadores citaram três livros dos quais Domingos nunca se separou: as Cartas do Apóstolo Paulo, o Evangelho de Mateus e o terceiro: “Não tenho outro livro — disse ele — a não ser o da Divina Caridade”. Mas o grande instrumento do apostolado de São Domingos foi certamente o Rosário. Uma dominicana contemporânea resumiu em
poucas palavras a graça mariana transmitida pelo legado de Domingos: “Alegria, tristeza e esperança são as três margens que a nossa alma inquieta vai bater sucessivamente. Domingos entendeu isso (…) O Rosário vem nos buscar e nos tirar de onde estamos lutando.” 17 Antes do século XIII, ou seja, antes de São Domingos, parece que o número de contas que compunham o Rosário ainda não havia sido determinado. Foi São Domingos quem fixou o número de cento e cinquenta contas, correspondente às 150 Ave-Marias, após a visão que recebeu da Santíssima Virgem. Assim, ele dividiu o Rosário em quinze dezenas, cada uma precedida pelo Pai Nosso e seguida pelo Glória. E a cada dezena ele atribuiu uma meditação sobre um dos Mistérios do Salvador.
A visão de São Domingos
“Ao ver a devastação causada na França pela heresia dos albigenses e sem saber como trazer esses terríveis sectários de volta à fé, Domingos recorreu à Santa Mãe de Deus. Maria atendeu sua oração e apareceu a ele cercada por uma grande luz. ‘Tem coragem’, disse-lhe ela, ‘sabes bem o que a salvação dos homens custou ao meu Filho. Não, Ele não quer que a obra da Redenção se torne inútil. Portanto, tem coragem e grande confiança; o fruto de teu trabalho será abundante. O remédio para tantos males será meditar nos Mistérios da Vida, Paixão, Morte e Glória de meu Filho único, e acrescentar a eles a Saudação Angélica, pela qual foi anunciada a grande obra da Redenção’. Depois de ter ensinado Domingos a recitar o Rosário, Maria disse-lhe novamente: ‘Esta é a devoção que deves ensinar ao povo por meio de tuas pregações, como uma prática muito querida por meu Filho e por mim, e como o meio mais poderoso de dissipar as heresias, extinguir os vícios, propagar a virtude, implorar a misericórdia divina e obter minha proteção. Quero que não somente tu, mas todos os que ingressarem em tua Ordem, sejam promotores perpétuos dessa maneira de rezar. Os fiéis obterão inúmeros benefícios com isso e me encontrarão sempre pronta para ajudá-los em suas necessidades. Esse é o precioso dom que deixo a ti e a teus filhos’.” 18
A vitória sobre a heresia albigense foi atribuída à oração do Rosário. O Papa Leão XIII (1810-1903) testemunhou esse fato em uma de suas encíclicas: “São Domingos, [instituiu e propagou esta devoção], por impulso e inspiração dela [a Virgem Maria], (…) como um instrumento de guerra eficacíssimo para combater os inimigos da fé. Com efeito, a seita herética dos Albigenses, ora sorrateira, ora abertamente, invadira numerosas regiões; (…) Contra essa turba tão perniciosa e arrogante, já agora pouco ou nada se podia contar com os auxílios humanos, quando o socorro veio manifestamente de Deus, por meio do Rosário de Maria. Assim, graças à Virgem, gloriosa e debeladora de todas as heresias, as forças dos ímpios foram abatidas e quebradas, e a fé de muitíssimos ficou salva e intacta.” 19
No século XV, a oração do Rosário foi renovada por outro dominicano, o Beato Alain de la Roche (1428-1475), por meio da Confraria do Rosário. No século XVI, foi o Papa São Pio V, ele próprio um dominicano, que pediu a intercessão da Igreja por meio da oração do Rosário, quando obteve a vitória sobre a invasão turca no Golfo de Lepanto, na Grécia: “Foi por iniciativa dele que uma liga europeia foi constituída em 1571, com o objetivo de deter o avanço turco otomano, que na época controlava países desde Constantinopla até as proximidades do Ártico. Para implorar a proteção celestial, São Pio V ordenou um jubileu solene e orações públicas, especialmente a oração do Rosário. A batalha decisiva ocorreu em 7 de outubro de 1571, no Golfo de Lepanto, próximo ao Estreito de Corinto. Os turcos foram derrotados, vários navios foram capturados e doze mil escravos cristãos das galés foram libertados. Apenas um terço da frota turca conseguiu escapar. Em agradecimento por essa vitória, São Pio V instituiu a festa de Nossa Senhora das Vitórias, inserindo o seguinte registro no martirológio no dia 7 de outubro: ‘Memória de Santa Maria da Vitória’, que o Soberano Pontífice São Pio V ordenou que fosse renovada todos os anos, por causa da notável vitória naval obtida nesse dia pelos cristãos sobre os turcos, graças à ajuda da Mãe de Deus”.
Depois, nos séculos XVI e XVII, por meio do Magistério dos Papas São Pio V, Gregório XIII e Clemente XI, a oração do Rosário continuou a se espalhar. No século XVIII, o Rosário encontrou defensores fervorosos como São Luís Maria de Montfort e Santo Afonso Maria de Ligório. A partir do século XIX, o Papa Leão XIII publicou inúmeros textos dedicados à oração do terço e incentivou fortemente os fiéis a se dedicarem ao Rosário. Ele publicou nada menos que onze encíclicas sobre o Rosário.
Como viver concretamente a oração do Rosário
De acordo com a Exortação Rosarium Virginis Mariae, a oração do Rosário consiste em meditar sobre os mistérios de Cristo, com base em um “compêndio do Evangelho”: “É conveniente que, depois de recordar a encarnação e a vida oculta de Cristo (mistérios da alegria), e antes de se deter nos sofrimentos da paixão (mistérios da dor), e no triunfo da ressurreição (mistérios da glória), a meditação se concentre também sobre alguns momentos particularmente significativos da vida pública (mistérios da luz).” 20
Os Mistérios Gozosos (meditar sobre os mistérios “gozosos” significa entrar nas motivações e no significado profundo da alegria cristã): “Caracteriza-se de fato pela alegria que irradia do acontecimento da Encarnação. Isto é evidente desde a Anunciação, quando a saudação de Gabriel à Virgem de Nazaré se liga ao convite da alegria messiânica: ‘Alegra-te, Maria’. Para este anúncio se encaminha a história da salvação, e até, de certo modo, a história do mundo. De fato, se o desígnio do Pai é recapitular em Cristo todas as coisas (cf. Ef 1, 10), então todo o universo de algum modo é alcançado pelo favor divino, com o qual o Pai Se inclina sobre Maria para torná-La Mãe do seu Filho. Por sua vez, toda a humanidade está como que incluída no fiat com que Ela corresponde prontamente à vontade de Deus.” 21 .
Os Mistérios Luminosos (desde a infância de Jesus em Nazaré até sua vida pública, contemplando esses “mistérios da luz”): “Na verdade, todo o mistério de Cristo é luz. Ele é a ‘luz do mundo’ (Jo 8, 12)”. 22 “Cada um destes mistérios é revelação do Reino divino já personificado no mesmo Jesus. (…) no seu Batismo no Jordão, na sua autorrevelação nas bodas de Caná, no seu anúncio do Reino de Deus com o convite à conversão, na sua Transfiguração e, enfim, na instituição da Eucaristia, expressão sacramental do mistério pascal.” 23
Os Mistérios Dolorosos (esses mistérios “levam o fiel a reviver a morte de Jesus pondo-se aos pés da cruz junto de Maria, para com Ela penetrar no abismo do Amor de Deus pelo homem” 24): “Intuindo que aqui está o ápice da revelação do amor e a fonte da nossa salvação. (…) o Getsêmani, com a flagelação, a coroação de espinhos, a subida ao Calvário, a morte na cruz (…) ‘Ecce homo!’ Neste desprezo, revela-se não somente o Amor de Deus, mas o mesmo sentido do homem.” 25
Os Mistérios Gloriosos (esses mistérios incentivam a nos tornarmos mais conscientes de nossa nova existência em Cristo, na Igreja, da qual o evento de Pentecostes é como o grande “ícone”). “Contemplando o Ressuscitado, o cristão descobre novamente as razões da própria fé (cf. 1 Cor 15, 14), e revive não só a alegria daqueles a quem Cristo Se manifestou, (…) mas também a alegria de Maria, que deverá ter tido uma experiência não menos intensa da nova existência do Filho glorificado (…) os mistérios gloriosos alimentam nos crentes a esperança da meta escatológica, para onde caminham como membros do Povo de Deus peregrino na história.” 26
As implicações antropológicas do Rosário
O Papa São João Paulo II, eleito Papa no dia 16 de outubro de 1978, anunciou alguns dias depois que o Rosário era “a sua oração predileta” 27. “Maravilhosa na simplicidade e na profundidade. Nesta oração repetimos muitas vezes as palavras que a Virgem Maria ouviu ao Arcanjo e à Sua parente Isabel. A estas palavras associa-se a Igreja inteira.” 28 “‘A simples oração do Rosário marca o ritmo da vida humana’. 29 (…) Quem contempla a Cristo, percorrendo as etapas da Sua vida, não pode deixar de aprender d’Ele a verdade sobre o homem. (…) ‘Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente’ 30.” 31 “O Rosário ajuda a abrir-se a esta luz. Seguindo o caminho de Cristo, no qual o caminho do homem é ‘recapitulado’, manifestado e redimido, o fiel põe-se diante da imagem do homem verdadeiro.” 32 Essa oração ajuda-nos a depositar nossos fardos e a viver com Cristo, as provações da vida. “Descarrega teu fardo em Deus e Ele cuidará de ti.” (Sl 55 (54), 23) “À distância de vinte e cinco anos, ao reconsiderar as provações que não faltaram nem mesmo no exercício do ministério petrino, desejo insistir, como para convidar calorosamente a todos, a fim de que experimentem pessoalmente isto mesmo: verdadeiramente o Rosário ‘marca o ritmo da vida humana’ para harmonizá-la com o ritmo da vida divina.” 33
A metodologia encarnada da oração do Rosário
O método dessa oração baseia-se na repetição da oração da Ave Maria, cuja primeira parte é extraída das palavras dirigidas a Maria pelo Anjo Gabriel e por Santa Isabel. Sendo assim, a Ave Maria é repetida dez vezes em cada mistério. “Uma coisa é clara! Se a repetição da Ave Maria se dirige diretamente a Maria, com Ela e por Ela é para Jesus que, em última análise, vai o ato de amor.” 34 Não se trata de recitar essas orações como um desafio voluntarista e tenso, nem como uma repetição mecânica e contabilizada, nem como uma rotina superficial. Nesse caso, seríamos rapidamente tentados a ver o Rosário como nada mais do que uma prática seca e enfadonha. O Papa João Paulo II lança uma explicação interessante sobre essa questão da “repetição”: “Se houvesse necessidade de um testemunho evangélico disto mesmo, não seria difícil encontrá-lo no diálogo comovente de Cristo com Pedro depois da ressurreição: ‘Simão, filho de João, tu amas-Me?’
Por três vezes é feita a pergunta, e três vezes recebe como resposta: ‘Senhor, Tu sabes que Te amo’ (cf. Jo 21, 15-17). Além do significado específico do texto, tão importante para a missão de Pedro, não passa despercebida a ninguém a beleza desta tríplice repetição.” 35 O terço é o instrumento tradicional para recitar o Rosário. Entretanto, devemos ter cuidado para não exagerar o “instrumento” do terço usado para essa oração: “Até mesmo de o terço, com que habitualmente é recitado, acabar por ser visto quase como um amuleto ou objeto mágico, com uma adulteração radical do seu sentido e função.” 36 Depois, é preciso estar ciente de que “o centro de gravidade da Ave Maria, uma espécie de charneira entre a primeira parte e a segunda, é o nome de Jesus” 37. “Ora, é precisamente pela acentuação dada ao nome de Jesus e ao Seu mistério que se caracteriza a recitação expressiva e frutuosa do Rosário.” 38 Da mesma forma, a oração da Igreja do Oriente é toda centrada no Nome de Jesus: “‘Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador’, está tradicionalmente ligada ao ritmo da respiração: ao mesmo tempo que isso facilita a perseverança na invocação, assegura quase uma densidade física ao desejo de que Cristo se torne a respiração, a alma e o ‘Tudo’ da vida.” 39
Ao contrário da repetição mecânica e rotineira, essa oração do rosário deve ser vista “como expressão daquele amor que não se cansa de voltar à pessoa amada com efusões que, apesar de semelhantes na sua manifestação, são sempre novas pelo sentimento que as permeia” 40. A Exortação especifica que, ao recitar o mistério do rosário que está sendo meditado, pode-se, dependendo do dia e do mistério, contemplar ao mesmo tempo um ícone ou uma imagem que o represente, a fim de manter a atenção. Um exemplo disso é a “composição do lugar”, dado por Santo Inácio de Loyola nos Exercícios Espirituais, com o recurson ao elemento visual e à imaginação. Além disso, é útil se a declaração do mistério for seguida pela proclamação de uma passagem bíblica, a fim de “‘dar fundamentação bíblica e maior profundidade à meditação’, pois é uma questão ‘de deixar Deus falar’.” 41 A Exortação recomenda um tempo de silêncio após a leitura da Bíblia: “após a enunciação do mistério e a proclamação da Palavra, é conveniente parar, durante um côngruo período de tempo, a fixar o olhar sobre o mistério meditado, antes de começar a oração vocal” 42.
Depois de ouvir a Palavra, que se centra no mistério, há um tempo de silêncio: “É natural que o espírito se eleve para o Pai. Em cada um dos seus mistérios, Jesus leva-nos sempre até ao Pai (…) para dizermos com Ele: ‘Abbá, Pai’. O ‘Pai nosso’, colocado quase como alicerce da meditação cristológico-mariana” 43.
A doxologia trinitária: “é a meta da contemplação cristã. De fato, Cristo é o caminho que nos conduz ao Pai no Espírito” 44. A distribuição no tempo: A Exortação Rosarium Virginis Mariae afirma: “O Rosário pode ser recitado integralmente todos os dias, não faltando quem louvavelmente o faça. Acaba assim por encher de oração as jornadas de tantos contemplativos, ou servir de companhia a doentes e idosos que dispõem de tempo em abundância. Mas é óbvio — e isto vale com mais forte razão ao acrescentar-se o novo ciclo dos ‘mysteria lucis’ — que muitos poderão recitar apenas uma parte, segundo uma determinada ordem semanal. Esta distribuição pela semana acaba por dar às sucessivas jornadas desta uma certa ‘cor’ espiritual, de modo análogo ao que faz a Liturgia com as várias fases do ano litúrgico.” 45
Tradicionalmente, as segundas e os sábados são dedicados aos “mistérios gozosos”, as terças e as sextas-feiras aos “mistérios dolorosos”, as quartas e os domingos aos “mistérios gloriosos” e as quintas-feiras aos “mistérios luminosos” 46.
O rosário: uma corrente de oração
“O Beato Bártolo Longo via-o também como uma ‘cadeia’ que nos prende a Deus. Cadeia sim, mas uma doce cadeia; assim se apresenta sempre a relação com um Deus que é Pai. Cadeia ‘filial’, que nos coloca em sintonia com Maria, a ‘serva do Senhor’ (Lc 1, 38).” 47 A oração do Rosário é, sem dúvida, um grande meio e vínculo de comunhão e de fraternidade que une todos em Cristo. A Exortação Apostólica Rosarium Virginis Mariae conclui com esta súplica do Beato Bartolo Longo, Apóstolo do Rosário 48: “Ó Rosário bendito de Maria, doce cadeia que nos prende a Deus, vínculo de amor que nos une aos Anjos, torre de salvação contra os assaltos do inferno, porto seguro no naufrágio geral, não te deixaremos nunca mais. Serás o nosso conforto na hora da agonia. Seja para ti o último beijo da vida que se apaga. E a última palavra dos nossos lábios há de ser o vosso nome suave, ó Rainha do Rosário de Pompeia, ó nossa Mãe querida, ó Refúgio dos pecadores, ó Soberana consoladora dos tristes. Sede bendita em todo o lado, hoje e sempre, na terra e no céu.” 49 Recomenda-se aos leitores deste Compêndio que desejarem aprofundar-se na teologia da Igreja Católica e no lugar e papel da Bem-Aventurada Virgem Maria que leiam o último capítulo da Constituição do Concílio Vaticano II, Lumen Gentium (Capítulo VIII).
FONTE:
1 A palavra “Rosário” evoca a “guirlanda de rosas” com a qual a Virgem Maria
é coroada.
2 Papa São João Paulo II, Exortação Apostólica Rosarium Virginis Mariae,
2002, n. 1.
3 I b i d .
4 Ibid., n. 3.
5 Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae, n. 19.
6 Cf. Ibid., n. 7.
7 Cf. Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae, n. 5.
8 Ibid., n. 10.
9 Ibid., n. 11.
10 Papa São Paulo VI, Exortação Apostólica Marialis Cultus, 2 de fevereiro
de 1974.
11 Idem, Rosarium Virginis Mariae, n. 12.
12 Ibid., n. 13.
13 Cf. Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae, n. 14-17.
14 Cf. Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae, n. 6.
15 Ibid, n. 16.
16 Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae, n. 16.
17 Cf. Irmã Catherine Nau, Os Dons do Espírito Santo nos Santos Dominicanos,
Roma, 2019.
18 Cf. Abbé Régnaud, O Rosário da Bem-Aventurada Virgem Maria, 1886;
baseado nos Anais da Ordem dos Pregadores, 1627.
19 Cf. Papa Leão XIII, Encíclica Octobri Mense, 22 de setembro de 1891,
n. 18-19.
20 Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae, n. 19.
21 Ibid., n.20.
22 Ibid., n. 21.
23 Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae, n.21
24 Idib., n. 2 2 . 25 Ibid.
26 Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae. n. 23.
27 Cf. Idem, Angelus, 29 de outubro de 1978.
28 Papa São João Paulo II, Angelus,
29 de outubro de 1978. 29 Ibid.
30 Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 22.
31 Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae, n. 25. 32 Ibid.
33 Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae, n. 25.
34 Ibid., n. 26.
35 Papa São J o ã o P aulo II, Rosarium Virginis Mariae., n. 26.
36 Ibid., n. 28.
37 Cf. Ibid, n . 3 3 .
38 Ibid., n. 33.
39 Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae., n. 27.
40 Ibid., n. 2 6 .
41 Cf. Ibid, n. 30.
42 Ibid., n. 31.
43 Cf. Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae., n. 32.
44 Ibid., n. 34.
45 Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae, n. 38.
46 Cf. Ibid., n. 38.
47 Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae., n. 36.
48 Beato Bartolo Longo, 1841-1926.
49 Papa São João Paulo II, Rosarium Virginis Mariae, n. 43.