O Espírito que inflama os corações gera pressa para servir

Como vimos no mês passado, Maria foi a primeira, a receber o Espírito Santo, de forma singular, antes mesmo dos Apóstolos e antes que a Igreja recebesse a graça do batismo no Espírito no primeiro Pentecostes. O primeiro fruto do Espírito que veio sobre ela foi correr para ajudar a sua prima Isabel durante três meses. Com efeito, o anjo Gabriel anunciou-lhe: “O Espírito Santo descerá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso, o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35). A Visitação à sua prima Isabel vem completar e confirmar o acontecimento do seu Pentecostes pessoal na Anunciação.

O primeiro sinal do batismo do Espírito Santo não se reconhece, afinal, na “pressa” de estar ao serviço dos outros? Em cada uma das suas visitas, o Espírito Santo mostra-nos, muitas vezes, como servir. O segundo sinal: na saudação de Maria “a criança saltou no ventre de Isabel e ela ficou cheia do Espírito Santo” (Lc 1,41). Na saudação do Anjo Gabriel, o Espírito Santo entrou no coração de Maria, e depois, na saudação de Maria a Isabel, o Espírito Santo entrou no coração de Isabel. Então, o Senhor derramou o Seu Espírito sobre os Apóstolos e os discípulos de Jesus, reunidos no dia de Pentecostes (cf. At 2,1-4).

“Todos oravam a um só coração, juntamente com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos Dele.” (At 1,14) Para que o Espírito fosse acolhido, era certamente necessária a condição de estarem unidos, os “cento e vinte” (At 1,15), na mesma comunhão apostólica e entre todos os discípulos de Jesus. Esta oração unânime é a primeira grande epiclese da Igreja. Maria foi o vaso da eleição divina que tornou possível a Encarnação do Verbo. Desde o berço da vida da Igreja ela continuará também a ser esse instrumento escolhido a serviço da Igreja até o fim dos tempos.  Maria, através da sua materna oração, continua a pedir o dom do Espírito Santo para a Igreja e para cada um dos seus filhos. É pela mediação salvífica do seu Filho e pela sua intercessão materna que o Pai nos renova e santifica pelo Seu Espírito. Maria, glorificada em corpo e alma no céu, acompanha a Igreja e permanece sempre e fielmente ao seu lado. “Assim como foi a oração de Maria e dos apóstolos, deve ser a nossa, deve ser uma oração ‘concordante e perseverante’. Concorde ou unânime (homothymadon) significa, literalmente, feito com apenas um coração (con-corde) e com ‘uma só alma.’ Jesus disse: ‘Digo-vos ainda isso: se dois de vós se unirem sobre a terra e concordarem em pedir qualquer coisa, consegui-lo-ão de meu Pai que está nos céus (Mt 18,19).” 1

Depois de estarem unidos na mesma comunhão, a outra caraterística da oração de Maria e dos apóstolos é o fato de ser também uma oração “perseverante”. “O termo grego original que expressa esta qualidade de oração cristã (proskarteroúntes) indica uma ação tenaz e insistente, de se estar ocupado com assiduidade e coerência a respeito de alguma coisa. É traduzido como perseverança ou oração assídua. Também poderia ser traduzido ‘tenazmente agarrado’ à oração.” 2 Querendo dar todo o reconhecimento a Jesus, ouvimos dizer, por vezes, que Maria era uma criatura como outra qualquer, como você e eu, e que não teria nada mais do que todas as outras criaturas humanas para ser eleita mãe do Salvador. No Credo, no “Símbolo dos Apóstolos”, que proclamamos todos os domingos, dizemos que acreditamos: “em Jesus Cristo, seu Filho único, nosso Senhor, que foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria”. Assim, Maria não está no Cenáculo como qualquer outra mulher, mesmo que exteriormente nada a diferencie das outras mulheres do seu tempo. O Cardeal Raniero Cantalamessa destaca uma passagem muito importante escrita por Lucas nos Atos dos Apóstolos: “Também no Cenáculo, como no Calvário, Maria é mencionada estando junto com algumas mulheres. Poderíamos dizer, portanto, que ela está lá como uma delas, nem mais nem menos que isso. Mas aqui a qualidade de ‘Mãe de Jesus’, logo após a menção do seu nome, muda tudo e coloca Maria em um nível completamente diferente, superior não apenas ao das mulheres, mas também dos apóstolos.” 3

Maria, madrinha da Igreja

O pregador da Casa Apostólica alarga a fecundidade da Virgem Santíssima, vendo-a não só como “Mãe da Igreja”, mas também como “Madrinha da Igreja”. A madrinha tem um papel de confiança e de responsabilidade ilimitada durante toda a vida do seu afilhado. A raiz da palavra “afilhado” é “filho”, o que significa que a Virgem Maria vela por cada um dos seus filhos e acompanha-os com o seu cuidado vigilante. O Cardeal Raniero Cantalamessa continua:

Maria, que se apresenta aos pés da cruz como Mãe da Igreja, aqui, no Cenáculo, aparece para nós como Madrinha. Uma Madrinha forte e segura. A Madrinha, para poder desempenhar este papel, deve ser alguém que já tenha recebido o batismo. Assim foi Maria: uma batizada no Espírito Santo que agora aguarda a Igreja ser batizada no mesmo Espírito.” 4 No seu discurso de promulgação da Constituição Dogmática Lumen Gentium, o Papa Paulo VI declarou: “Em verdade, a realidade da Igreja não se esgota na sua estrutura hierárquica, na sua liturgia, nos seus sacramentos, nas suas ordenações jurídicas. A sua essência profunda, a fonte primeira da sua eficácia santificadora deve buscar-se na sua mística união com Cristo; união que não podemos pensar dissociada d’Aquela que é a Mãe do Verbo Encarnado, e que o próprio Jesus Cristo quis tão intimamente unida a Si para a nossa salvação.” 5 A mesma ideia foi desenvolvida pelo Papa São João Paulo II: “O Concílio Vaticano II, confirmando o ensinamento de toda a tradição, recordou que, na hierarquia da santidade, precisamente a ‘mulher’, bMaria de Nazaré, é ‘figura’ da Igreja. Ela ‘precede’ todos no caminho rumo à santidade; na sua pessoa ‘a Igreja já atingiu a perfeição, pela qual existe sem mácula e sem ruga’ (cf. Ef 5, 27). 6 Neste sentido, pode-se dizer que a Igreja é conjuntamente ‘mariana’ e ‘apostólico-petrina’.” 7

Na ligação entre a Igreja e o Espírito Santo, podemos dizer que a dimensão mariana é primordial; precede a dimensão petrina, mas está intimamente unida e é complementar a ela. Maria, a Imaculada, precede o próprio Pedro e todos os Apóstolos, assim como todos os batizados e, portanto, cada um de nós. O que Maria comunicou à pequena Teresa de Lisieux a 13 de maio de 1883, o faz por nós, invisivelmente, cada vez que voltamos o nosso olhar para ela: “De repente, a Santíssima Virgem me pareceu bela, tão bela, como nunca tinha visto nada tão formoso. O rosto irradiava inefável bondade e ternura, mas o que me calou no fundo da alma foi o ‘empolgante sorriso da Santíssima Virgem’.” 8 Que este perfil mariano seja renovado em cada um de nós, pela virtude do Espírito Santo, especialmente naqueles que ainda não conheceram Maria na sua maternidade de “mãe e madrinha” da Igreja e de cada um de nós. Se Maria se tornou “Mãe da Igreja” aos pés da Cruz do seu Filho, confiando-lhe João, o “discípulo amado”, é no Calvário e no Cenáculo que a encontramos na sua graça de maternidade espiritual. No seu testemunho sobre Cristo, João Batista anuncia: “Aquele que Deus enviou diz as palavras de Deus, porque dá o Espírito sem medida” (Jo 3,34).

Dá a tua vida e recebe o Espírito Santo

É por isso que o Senhor está à espera para nos dar grandes graças se, como Maria, lhe oferecermos o nosso coração e a nossa vida sem limites nem condições. Os israelitas, que reconheciam as bênçãos do Senhor para com Israel, ofereciam em troca ao Senhor: primícias, dízimos e sacrifícios. Assim, este movimento de oferta a Deus baseia-se na gratidão e na reciprocidade. “Dai ao Altíssimo em proporção aos seus dons, com a generosidade que puderdes. Pois o Senhor retribuir-vos-á sete vezes mais.” (Eclo 35,12-13) “É assim que conhecemos o amor: Ele, Jesus, deu a Sua vida por nós; também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos”. (1 Jo 3,16) Os monges do Monte Athos têm um ditado: “Dá o teu sangue e recebe o Espírito Santo”. O sentido desta expressão é um pouco paradoxal, mas significa que entregando-nos inteiramente a Deus, dando-Lhe a totalidade da nossa vida, vivendo a crucificação do nosso homem velho, que recebemos o Espírito Santo e que Lhe damos ainda mais espaço. Citemos outro exemplo eminente da entrega de si, inspirada pelo Espírito Santo, ao serviço dos nossos irmãos e da Igreja: Simeão, o Novo Teólogo (949-1022). Este santo monge oriental recorda-nos que devemos prestar atenção à vida espiritual, à presença escondida de Deus em nós, à sinceridade da nossa consciência e à purificação e conversão dos nossos corações, para que o Espírito Santo possa estar verdadeiramente presente em nós e guiar-nos. O Papa Bento XVI conta o que marcou o jovem Simeão e iniciou a sua profunda vida espiritual: “Ainda jovem (…) encontrou (…) um monge simples do mosteiro de Studios, em Constantinopla, que lhe deu para ler o tratado ‘A lei espiritual de Marcos, o Monge’. Neste texto Simeão, o Novo Teólogo, encontrou um ensinamento que o impressionou muito: ‘Se procuras a cura espiritual — leu nele — está atento à tua consciência. Faz tudo o que ela te diz e encontrarás tudo o que te é útil’. A partir daquele momento — refere ele mesmo — nunca adormeceu sem se perguntar se a consciência não tinha algo para lhe reprovar.” 9

A obra de Simeão inclui um grande número de escritos teológicos, catequeses e hinos, para além das suas numerosas cartas. Outro grande Santo e Doutor da Igreja, também venerado no Oriente, é Santo Efrém, o Sírio (306-373). Nascido numa família cristã em Nisibe, atualmente na Turquia, por volta de 306, foi um dos mais  importantes representantes do Cristianismo de língua siríaca. Conseguiu conciliar de forma original a vocação de teólogo e de poeta. Ordenado diácono, viveu intensamente a vida da sua comunidade cristã local até 363, quando a cidade de Nisibe caiu nas mãos dos Persas. Efrém emigrou então para Edessa, onde continuou a sua atividade de pregador. Morreu aí em 373, vítima do contágio da peste, contraída enquanto cuidava dos doentes. Sabemos que permaneceu diácono e que abraçou o estado de virgindade e pobreza, a ponto de se entregar totalmente à caridade, cuidando dos doentes da peste. Efrém, honrado pela tradição cristã com o título de “lira do Espírito Santo”, permaneceu diácono durante toda a sua vida. É na dimensão litúrgica que se manifesta mais claramente a teologia poética de Efrém. Na sua busca de Deus, na sua maneira de fazer teologia, ele segue o caminho do paradoxo e do símbolo. Privilegia as imagens contrastantes, porque elas servem para sublinhar o mistério de Deus. O Papa Bento XVI disse a seu respeito: “Para Efrém, assim como não há Redenção sem Jesus, também não há Encarnação sem Maria. As dimensões divina e humana do mistério da nossa redenção encontram-se já nos textos de Efrém; de modo poético e com imagens fundamentalmente escriturísticas, ele antecipa o quadro teológico e de certo modo a própria linguagem das grandes definições dos Concílios do século V.” 10 Citemos Efrém, que exprime a sua admiração diante da Virgem com o seu hino:

“O Senhor vem a ela para se fazer servo.

O Verbo veio a ela para descer no seu seio.

O relâmpago veio a ela para não fazer barulho algum.

O pastor veio a ela e eis o Anjo nascido, que humildemente chora.

Dado que o seio de Maria

inverteu os papéis:

Aquele que criou todas as coisas

entrou em sua posse, mas pobre.

O Altíssimo veio a ela (Maria),

mas entrou humilde.

O esplendor veio a ela,

mas revestido de humildes vestes.

Aquele que prodigaliza todas

as coisas conheceu a fome.

Aquele que dessedenta todos conheceu a sede.

Nu e despojado saiu dela,

Ele que reveste (de beleza) todas as coisas”. 11

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