A Virgem Maria, Mãe da Esperança

Diz-se no Vaticano que, antes de ser eleito Papa, São João Paulo II, durante o Conclave, manteve consigo um exemplar bem gasto do Tratado sobre a Verdadeira Devoção, de São Luís Maria Grignion de Montfort, um livro que já carregava consigo quando trabalhava como operário nas pedreiras de Zakrzówek e na fábrica de produtos químicos Solvay durante a Segunda Guerra Mundial, e que continuou guardando até mesmo em suas caminhadas de verão nas montanhas italianas do Vale de Aosta.

Que profunda e imensa coerência na vida e no caminho de fé desse grande Papa! Foi com Maria que ele aprendeu que a esperança não nasce das competências e dos méritos humanos, mas que o caminho de vida do cristão também deve contar e se unir ao céu e à graça divina. É exatamente a Virgem Maria que sempre nos leva de volta ao próprio Deus, a fonte da esperança. Com muita frequência e rapidez, pensamos primeiramente nos meios humanos para resolver nossas situações complicadas e é, por isso, que o desespero nos assalta com tanta facilidade. A Virgem Maria trazia em seu seio “a esperança de Israel e a expectativa do mundo” e se tornou “a imagem da futura Igreja, que no seu seio, leva a esperança do mundo através dos montes da história” 1.

A esperança da Mãe do Redentor

A esperança da Mãe do Redentor O autor bíblico Eclesiástico (ou Siraque), personificando a Sabedoria Divina, escreveu esses versículos, por volta de 200 a.C., que podem ser atribuídos à Virgem Maria:

Eu, como a videira, fiz germinar graciosos sarmentos e minhas flores são frutos de glória e riqueza. Vinde a mim todos os que me desejais, fartai-vos de meus frutos.” (Eclo 24, 17-18)

As aparições da Santíssima Virgem Maria em Pontmain, na França, no século XIX, um santuário dedicado a “Nossa Senhora da Esperança”, transmitiram uma mensagem de esperança que ainda hoje é atual. Sob esse nome, a Mãe de Deus continua a ser amplamente honrada nesse local. “Maria nos ensina a virtude da esperança, até quando tudo parece sem sentido.” 2

A Virgem Maria, moldada pelas Escrituras Sagradas (seu Magnificat é testemunha disso) e pelas tradições judaicas, esperou com o povo dos justos, dos sábios e dos anawim pela libertação, consolação, de Israel. Ela carregou e traduziu em suas orações os desejos de seu povo, em relação ao qual sua confiança e esperança nunca vacilaram. Sua esperança não amadureceu durante a Paixão, quando a “espada da dor” profetizada pelo sábio Simeão transpassou seu coração?

Tinha morrido a esperança? Provavelmente, no vosso íntimo tereis ouvido novamente a palavra ‘Não temas, Maria!” 3
No Sábado Santo, sua “esperança humilhada” soube esperar a Ressurreição, acompanhando o seu Filho até o fim, como Mãe do Redentor.

O Mistério da Redenção se formou no coração da Virgem de Nazaré quando ela pronunciou o seu “fiat”

“A partir daquele momento esse coração virginal e ao mesmo tempo materno, sob a particular ação do Espírito Santo, acompanha sempre a obra do seu Filho e palpita na direção de todos aqueles que Cristo abraçou e abraça continuamente com o seu inexaurível amor. E, por isso mesmo, este coração deve ser também maternalmente inexaurível. A característica deste amor materno, que a Mãe de Deus insere no mistério da Redenção e na vida da Igreja, encontra a sua expressão na sua singular proximidade em relação ao homem e a todos as suas vicissitudes. Nisto consiste o mistério da Mãe. A Igreja, que A olha com amor e esperança muito particular, deseja apropriar-se deste mistério de maneira cada vez mais profunda.” 4

Na liturgia, os fiéis “a caminho da plena liberdade, olham para Maria como sinal de firme esperança” 5.

Maria viveu a perseverança e a consolação, ambas transmitidas pelas Sagradas Escrituras

Aqueles que experimentaram a sabedoria também são testemunhas e instrumentos de esperança para os outros. A Mãe da esperança divina nos torna compreensivos e pacientes em relação às fragilidades e limitações de nossos irmãos e irmãs e das pessoas mais próximas. A esperança do céu também é para eles e nunca está longe de ninguém. Essa esperança é aprendida e vivida por meio da “perseverança e consolação” transmitidas pelas Sagradas Escrituras.

“Ora tudo o que se escreveu no passado é para o nosso ensinamento que foi escrito, a fim de que, pela perseverança e pela consolação que nos proporcionam as Escrituras, tenhamos a esperança. O Deus da perseverança e da consolação vos conceda terdes os mesmos sentimentos uns para com os outros, a exemplo de Cristo Jesus, a fim de que, de um só coração e de uma só voz, glorifiqueis o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo.” (Rm 15, 4-6)

Em suas catequeses, o Papa Francisco define as virtudes da perseverança e da consolação da seguinte forma:

“A perseverança, poderíamos defini-la também como paciência: é a capacidade de suportar, carregar às costas, ‘su-portar’, permanecer fiel, até quando o peso parece tornar-se grande demais, insustentável, e teríamos a tentação de julgar negativamente e abandonar tudo e todos. (…) Ao contrário, a consolação é a graça de saber ver e mostrar em todas as situações, até nas mais marcadas pela desilusão e pelo sofrimento, a presença e ação misericordiosa de
Deus.” 6
Essas duas virtudes intimamente relacionadas, a virtude da perseverança e a da paciência, conforme atestam as Escrituras, têm sua fonte em Deus:

“O Senhor passou diante dele, e ele exclamou: ‘Senhor! Senhor.’ Deus de compaixão e de piedade, lento para a cólera e cheio de amor e fidelidade; que guarda o Seu amor a milhares, tolera a falta, a transgressão e o pecado.” (Ex 34, 6-7)

As Escrituras atestam que a paciência é um atributo divino, de acordo com Êxodo 34, 6: Deus é “makrothymos”, “longânimo”, “magnânimo”, “paciente”, “lento para a ira”. Há uma distância tão grande entre a santidade do Deus da Aliança e o Seu povo rebelde, que o Senhor só pode ser paciente em Sua misericórdia. Assim como Ele é paciente com cada um de nós. Isso também é o que a segunda carta de São Pedro atesta para o tempo atual:

“O Senhor não tarda a cumprir a Sua promessa (…), o que Ele está é usando de paciência convosco, porque não quer que ninguém se perca, mas que todos venham a converter-se.” (2Pd 3, 9)

O Papa Bento XVI dá um importante esclarecimento teológico:

“A esperança manifesta-se praticamente nas virtudes da paciência, que não esmorece no bem nem sequer diante de um aparente insucesso, e da humildade, que aceita o mistério de Deus e confia Nele mesmo na escuridão.” 7

Na Bula para o Ano Santo de 2025, o Papa Francisco escreve:

“Aos pés da cruz, enquanto via Jesus inocente sofrer e morrer, embora atravessada por terrível angústia, repetia o seu ‘sim’, sem perder a esperança e a confiança no Senhor. Desta forma, cooperava em nosso favor no cumprimento do que dissera Seu Filho ao anunciar que Ele teria de ‘sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei, e ser morto e ressuscitar depois de três dias’ (Mc 8, 31), e no parto daquela dor oferecida por amor tornava-Se nossa Mãe, Mãe da esperança.” 8

A Virgem Maria: nela, a esperança e a paciência andam de mãos dadas

Como não reconhecer essa “paciência longânime” na vida da Virgem Maria, continuamente fiel ao plano divino do Pai e unida ao seu Filho e mestre, o Redentor da humanidade?

Assim como o Apóstolo Paulo associou “a perseverança à consolação” (cf. Rm 15, 4), outra catequese do Papa Francisco associa “a esperança à paciência”, duas virtudes unidas na vida e na alma da Virgem Maria:

“A esperança é uma virtude contra a qual pecamos frequentemente: nas nossas saudades negativas, nas nossas melancolias, quando pensamos que as felicidades do passado estão enterradas para sempre. Pecamos contra a esperança, quando desanimamos diante dos nossos pecados, esquecendo que Deus é misericordioso e é maior do que o nosso coração. Não esqueçamos isto, irmãos e irmãs: Deus perdoa tudo, Deus perdoa sempre. Somos nós que nos cansamos de pedir perdão. Mas não esqueçamos esta verdade: Deus perdoa tudo, Deus perdoa sempre! Pecamos contra a esperança, quando desanimamos perante os nossos pecados; pecamos contra a esperança, quando o outono anula em nós a primavera; quando o amor de Deus deixa de ser um fogo eterno e não temos a coragem de tomar decisões que nos comprometem para toda a vida. O mundo de hoje tem muita necessidade desta virtude cristã! O mundo precisa da esperança, assim como tem tanta necessidade da paciência, uma virtude que caminha de mãos dadas com a esperança.

Os homens pacientes são tecelões de bem. Desejam obstinadamente a paz, e embora alguns tenham pressa e queiram tudo e já, a paciência tem a capacidade da espera. Até quando muitos à sua volta cederam à desilusão, quem é animado pela esperança e é paciente, torna-se capaz de atravessar as noites mais escuras. Esperança e paciência caminham de mãos dadas! A esperança é a virtude de quem é jovem de coração; e nisto, a idade não conta. Porque existem até velhos com os olhos cheios de luz, que vivem em tensão permanente para o futuro.” 9

Toda a vida da Virgem Maria foi feita de perseverança e paciência, em sua constante escuta da vontade divina e em sua atenção ao tempo da história, dos outros, de seu povo, das circunstâncias. Na plena consciência de que ela estava vivendo esse tempo com Deus, com o seu Filho e com o seu povo, vivendo cada momento como um encontro de amor. Ainda mais em todos os sofrimentos que ela suportou em união com os de seu Filho.

“O amor é paciente” (cf. 1Cor 13, 4), “makrothymeî”,
escreve Paulo.
O Papa Francisco, na Bula de Proclamação para o Ano Jubilar de 2025, faz a mesma observação: “Descobre-se que a evangelização é sustentada pela força que brota da cruz e da ressurreição de Cristo. Isto faz crescer uma virtude, que é parente próxima da esperança: a paciência. Habituamo-nos a querer tudo e agora, num mundo onde a pressa se tornou uma constante. Já não há tempo para nos encontrarmos e, com frequência, as próprias famílias sentem dificuldade para se reunir e falar calmamente. A paciência foi posta em fuga pela pressa, causando grave dano às pessoas; com efeito sobrevêm a intolerância, o nervosismo e, por vezes, a violência gratuita, gerando insatisfação e isolamento.” 10

Para a Virgem Maria, assim como para cada um de nós, essa paciência, “que tem paciência e espera por tudo”, é o ágape, o Amor Vivo, que é o próprio Cristo. Com a plena consciência de que ela estava vivendo cada momento com Deus, com o seu Filho e com o seu povo, e vivendo-o como um encontro de amor. São Cipriano de Cartago, no século II, escreveu: “O fato de ser cristão é obra da fé e da esperança, mas para que a fé e a esperança possam produzir frutos, é preciso paciência” 11.

Através do sim de Maria, a esperança de milênios se tornou uma realidade neste mundo e na sua história

No final de sua Encíclica Spe Salvi, o Papa Bento XVI ofereceu à Igreja esta bela oração em honra da Virgem Maria, uma verdadeira anamnese bíblica, que podemos meditar invocando Maria como Nossa Senhora da Santa Esperança:

“Santa Maria, Vós pertencíeis àquelas almas humildes e grandes de Israel que, como Simeão, esperavam ‘a consolação de Israel’ (Lc 2, 25) e, como Ana, aguardavam a ‘libertação de Jerusalém’ (Lc 2, 38). Vós vivíeis em íntimo contato com as Sagradas Escrituras de Israel, que falavam da esperança, da promessa feita a Abraão e à sua descendência (cf. Lc 1, 55). Assim, compreendemos o santo temor que Vos invadiu, quando o anjo do Senhor entrou nos vossos aposentos e Vos disse que daríeis à luz Àquele que era a esperança de Israel e o esperado do mundo. Por meio de Vós, através do vosso ‘sim’, a esperança dos milénios havia de se tornar realidade, entrar neste mundo e na sua história. Vós Vos inclinastes diante da grandeza desta missão e dissestes ‘sim’. ‘Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua palavra’ (Lc 1, 38).

Quando, cheia de santa alegria, atravessastes apressadamente os montes da Judeia para encontrar a vossa parente Isabel, tornastes-Vos a imagem da futura Igreja, que no seu seio, leva a esperança do mundo através dos montes da história (…) Apesar de toda a grandeza e alegria do primeiro início da atividade de Jesus, Vós, já na Sinagoga de Nazaré, tivestes de experimentar a verdade da palavra sobre o ‘sinal de contradição’ (cf. Lc 4, 28s). Assim, vistes o crescente poder da hostilidade e da rejeição que se ia progressivamente afirmando à volta de Jesus até à hora da cruz, quando tivestes de ver o Salvador do mundo, o herdeiro de David, o Filho de Deus morrer como um falido, exposto ao escárnio, entre os malfeitores. Acolhestes então a palavra: ‘Mulher, eis aí o teu filho’ (Jo 19, 26). Da cruz, recebestes uma nova missão. A partir da cruz ficastes mãe de uma maneira nova: mãe de todos aqueles que querem acreditar no vosso Filho Jesus e segui-Lo. A espada da dor trespassou o vosso coração. Tinha morrido a esperança? Ficou o mundo definitivamente sem luz, a vida sem objetivo? (…). Quantas vezes o Senhor, o vosso Filho, dissera a mesma coisa aos seus discípulos: Não temais! Na noite do Gólgota, Vós ouvistes outra vez esta palavra. Aos seus discípulos, antes da hora da traição, Ele tinha dito: ‘Tende confiança! Eu venci o mundo’ (Jo 16, 33).
‘Não se turve o vosso coração, nem se atemorize’ (Jo 14, 27). ‘Não temas, Maria!’
Na hora de Nazaré, o anjo também Vos tinha dito: ‘O seu reinado não terá fim’ (Lc 1, 33). Teria talvez terminado antes de começar? Não; junto da cruz, na base da palavra mesma de Jesus, Vós tornastes-Vos mãe dos crentes. Nesta fé que, inclusive na escuridão do Sábado Santo, era certeza da esperança, caminhastes para a manhã de Páscoa. A alegria da ressurreição tocou o vosso coração e uniu-Vos de um novo modo aos discípulos, destinados a tornar-se família de Jesus mediante a fé. Assim Vós estivestes no meio da comunidade dos crentes, que, nos dias após a Ascensão, rezavam unanimemente pedindo o dom do Espírito Santo (cf. At 1, 14) e o receberam no dia de Pentecostes. O ‘reino’ de Jesus era diferente daquele que os homens tinham podido imaginar. Este ‘reino’ iniciava naquela hora e nunca mais teria fim. Assim, Vós permaneceis no meio dos discípulos como a Sua Mãe, como Mãe da esperança. Santa Maria, Mãe de Deus, Mãe nossa, ensinai-nos a crer, esperar e amar convosco. Indicai-nos o caminho para o seu reino! Estrela do mar, brilhai sobre nós e guiai nos no nosso caminho!” 12

Fontes:

1 Papa Bento XVI, Carta Encíclica Spe Salvi, n. 50.

2 Papa Francisco, Audiência Geral, 10 de maio de 2017.

3 Papa Bento XVI, Carta Encíclica Spe Salvi, n. 50.

4 São João Paulo II, Carta Encíclica Redemptoris Hominis, 4 de março de 1979, n. 22.

5 Prefácio do Missal Romano, Missa Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da Santa Esperança.

6 Papa Francisco, Audiência Geral, 22 de março de 2017.

7 Papa Bento XVI, Carta Encíclica Deus Caritas Est, 25 de dezembro de 2005, n. 39.

8 Papa Francisco, Bula de Proclamação do Jubileu Ordinário do Ano 2025, Spes non Confundit, 9 de maio de 2024, n. 24.

9 Papa Francisco, Audiência Geral, 8 de maio de 2024.

10 Idem, Bula de Proclamação do Jubileu Ordinário do Ano 2025, Spes non Confundit, 9 de maio de 2024, n. 4.

11 São Cipriano de Cartago, Sobre o bem da paciência, 13.

12 Papa Bento XVI, Carta Encíclica Spe Salvi, 30 de novembro de 2007, n. 50.

 

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