A missão de Boroma, Moçambique outrora um marco na educação e evangelização em Moçambique, estava em ruínas – esquecida pelo tempo, marcada pela guerra e abandonada por aqueles que viveram ao abrigo das suas paredes. Mas nos últimos anos, uma revolução silenciosa, mas determinada, tem-se desenrolado nas margens do rio Zambeze, liderada por um missionário português tornado bispo, com uma visão de restauração, tanto física como espiritual.
Dom Diamantino Guapo Antunes passou mais de duas décadas como missionário em Moçambique, servindo em todo o país, em Niassa, Inhambane e Maputo. Em 2019, foi nomeado Bispo da Diocese de Tete pelo Papa Francisco, entrando numa região onde nunca tinha trabalhado.“Sinto-me um missionário, tal como antes” – diz Dom Diamantino – “Com responsabilidades acrescidas, sim, mas sempre com um grande desejo de servir este povo e a Igreja.” A Diocese de Tete carrega as cicatrizes de décadas de conflitos – guerras coloniais, repressão política pós-independência e uma guerra civil que durou até 1992. Estas convulsões esvaziaram a região da sua presença missionária. Comunidades inteiras ficaram sem pastores, as igrejas desmoronaram-se e as infra-estruturas da fé sofreram erosão. “A minha primeira preocupação foi chamar missionários”, explica o Sr. Bispo, “para dar pastores às comunidades que tinham sido praticamente abandonadas e reconstruir as missões para os acolher.” Entre as muitas missões destruídas na diocese, uma destacou-se. Boroma, fundada em 18841, não é apenas a missão mais antiga de Tete, mas também uma das mais significativas do ponto de vista histórico em Moçambique. Tinha sido um poderoso centro de educação, formando professores e futuros líderes não só de Tete, mas também das províncias de Manica, Sofala e Zambézia. Estes, por sua vez, formaram gerações nas escolas primárias e ocuparam cargos de liderança em todo o país.
“Sinto-me um missionário, tal como antes.
Com responsabilidades acrescidas, sim, mas sempre com um
grande desejo de servir este povo e a Igreja.”
Quando Dom Diamantino chegou, encontrou Boroma num estado de abandono. “Pensei muito sobre a forma de devolver à missão de Boroma a sua beleza e funcionalidade”, recorda. “Para a pôr ao serviço da comunidade e dos moçambicanos.” Mas reconstruir um complexo tão vasto era desafi ador. A diocese tinha poucos recursos. “Não tinha dinheiro, nem fi nanciamento”, diz ele. “A primeira ajuda que recebi foi meio saco de cimento para reparar as fendas na igreja. A partir daí, a providência entrou em ação“. O que se seguiu foi uma onda de solidariedade internacional.
Apoiantes em Portugal, Itália e Espanha começaram a juntar-se em torno da ideia de restaurar Boroma. Congregações missionárias, incluindo a Fazenda da Esperança e a Comunidade Sementes do Verbo, também responderam ao apelo, comprometendo-se a prestar um serviço de longo prazo na evangelização, saúde e educação.
Com a ajuda delas, cerca de 30% da Boroma foi recuperada, embora ainda haja muito a ser feito. A reconstrução física é apenas uma parte da história. “Mais do que reabilitar paredes, o centro da missão são as pessoas”, insiste. “A população local é muito pobre e sente-se muitas vezes abandonada. É por isso que a presença dos missionários é crucial“. Mas aos poucos, Boroma está de novo a tornar-se um centro de educação. As aulas do ensino secundário recomeçaram e estão a ser preparadas instalações para acolher estudantes das áreas mais remotas da província. Há também planos para a formação profissional em carpintaria, construção e serralharia. “Não basta ter um diploma do ensino secundário”, diz o Sr. Bispo. “Também é preciso saber fazer, com as mãos, para ter um emprego e ajudar a contruir e desenvovler o país.”
Igualmente, Boroma está agora a tornar-se um espaço de cura, especialmente para as mulheres jovens. A Fazenda da Esperança começou a funcionar como um centro de recuperação para mulheres que sofrem de dependência, ajudando-as a reconstruir as suas vidas com dignidade e objetivo. Mas numa leitura mais alargada, Dom Diamantino considera o renascimento da missão como um reflexo de uma tendência mais ampla no continente. “A África é onde a Igreja Católica está a crescer mais rapidamente”, observa “É uma Igreja jovem, vibrante e criativa.”…. “Mas sabemos que os ventos do secularismo também chegarão aqui e temos de preparar as novas gerações para terem uma fé mais esclarecida e resistente.” O reforço missionário passa “por formar sacerdotes moçambicanos locais, investir no discernimento vocacional e na formação para o seminário.” explica. E em apenas quatro anos, ordenou dez padres diocesanos – um feito notável para a região. Entre os principais desafios à evangelização, Dom Diamantino aponta o aumento do extremismo islâmico em algumas partes de África, incluindo o norte de Moçambique, bem como o agravamento dos efeitos das alterações climáticas. A par disto, vê um desafio ainda mais generalizado: a corrupção. “Nenhuma ameaça tem um impacto maior na vida quotidiana do povo moçambicano”, diz ele. “Quando as pessoas já estão a lutar contra a pobreza, a falta de acesso a cuidados de saúde e as consequências de desastres naturais, a corrupção torna-se uma sentença de morte.”
Mas para o Diamantino Antunes, a reconstrução de Boroma é mais do que tijolos e argamassa. Trata-se de restaurar a dignidade, o objetivo que era a missão e a comunidade. Ele espera ver a Igreja de S. José tornar-se num santuário diocesano, um “pulmão espiritual” para a região, onde as pessoas se possam reunir para retiros, oração e reflexão. “Reconstruímos Boroma para que possa servir as futuras gerações de moçambicanos, como um lugar de acolhimento, formação, cura e esperança. ” “O centro da missão são as pessoas – não os edifícios”, insiste. Um dos maiores sinais de vida, acredita, é o culto alegre da Igreja africana. “Aqui, a Eucaristia pode durar horas”, diz Dom Diamantino com um sorriso. “Não é um fardo, é uma festa de encontro com o Senhor. Isso dá-me uma grande esperança para o futuro do meu país“.
André Paxiuta
NOTA: 1 Situada a cerca de trinta quilómetros da cidade de Tete, a missão de Boroma foi fundada em 1885 como uma missão católica de jesuítas portugueses.
Confira o testemunho de uma irmã em missão desde 2023 em Moçambique, irmã Déborah, brasileira de 33 anos, formada em desenho industrial conta neste video sua experiência com a arte e restauro do Santuário São José de Boroma, o processo artístico sempre foi, para ela, um encontro com Deus.
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A Revista Tolle et Lege
É com grande alegria que anunciamos o relançamento da revista Tolle et Lege. Nos últimos anos, a Comunidade Sementes do Verbo testemunhou uma profunda expansão, semeando o seu carisma em diversas terras e respondendo com fidelidade ao apelo do Espírito e ao chamado urgente da Igreja para uma Nova Evangelização. À medida que as casas missionárias florescem e novas realidades surgem na “Vinha do Senhor” (Is 5,7), novos desafios nos chamam a aventurar-nos em territórios desconhecidos da comunicação e do testemunho. Assim, tornou-se necessário e providencial apresentar, através desta publicação, as experiências ricas e variadas da Comunidade em todo o mundo, oferecendo uma visão unificada – em palavras e imagens – da vida que brota do Evangelho semeado em solos tão diferentes. O sopro do Espírito nos chama a um novo Pentecostes — uma renovação onde o amor divino amplia os corações, transforma ruínas em esperança e incendeia novamente a Igreja com a missão.